domingo, 26 de dezembro de 2010

As formigas

enquanto estava eu lá, sentada falando e falando e falando, tentei dar conta de algumas coisas que ainda estariam latentes e outras tão afundadas, cobertas com uma camada grossa de poeira, de sujeira que muitas vezes fui eu mesma quem sujou. nisso, nesse meio tempo foi chegando o natal e natal para mim sempre é uma época um tanto quanto difícil internamente. o natal chega e com ele chegam todas aquelas pessoas que de longe, de muito longe você não via mais. e chega junto um monte de comida, de fala e de caprichos sem limite que me deixam no meu limite de tolerância. amor, paz, e etc. porra papai noel! e então chegou a chuva, o vento e a neblina. e todas as histórias do mundo. "eu trabalhava em um cinema quando era criança. era legal porque era a única maneira que eu tinha de assistir filmes. dinheiro não havia. nada. nem um pouquinho. mas qdo chegava em casa tinha sopa de pé de frango. e já era muito. mas o cinema me deixava feliz. e eu ia de um cinema para o outro com um rolo de filmes 16mm porque senão não dava tempo das pessoas assistirem o outro filme. e eu ia. com meus 8 anos e uma curiosidade incrível. e era legal porque eu sentia que estava fazendo algo muito interessante para um garoto de 8 anos muito pobre. e eu ao voltar para casa passava em frente à venda. meu pai tinha uma venda. uma vendinha. mas não era lá que tinha os doces mais gostosos da vila. eu gostava do doce de suspiro rosa. hummm. me dá até água na boca. mas não tinha dinheiro pra comprar. e então eu voltava pra casa tomava a sopa e ia dormir. com fome. mas ia. e quando chovia, sabe? igual chove nessa época de natal o meu barato era ficar olhando embaixo da cama e vendo a água passar pelo chão de terra. aquele chão de terra batido, bem batido. e era um barato porque eu não sabia ao certo o que estava acontecendo. mas era bom". e então eu vi que a mesa estava farta, cheia de comida. sempre sobra. e eu olhei para o lado e vi que estava falando, falando sem parar e as formigas passavam apenas, de um lado para o outro como quem não quer nada. resolvi ficar em silêncio e me concentrar nelas. elas apenas viviam. apenas isso. não tinha um sufoco de pensar algo além. estavam elas vivendo. e eu vi que estava ouvindo a história com quem está guardando aquele grande pedaço de migalha de pão no formigueiro. que vai me alimentar por anos a fio. eu não sabia ao certo o que estava sentindo naquela noite. mas era bom. obrigada, pai. feliz natal.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

sussurro

vai passar, isso vai passar.... quando eu era criança, só de ouvir a voz da minha mãe, qualquer dor que eu tinha, fosse emocional ou de criança levada, passava. era como se fosse um remédio. daqueles que curam até a alma. minha mãe gostava de fazer bolo, de brincar de esconder, de cantar e de dar risada. era sempre bom. mas tinha uma coisa que ela gostava sempre, que era de enfeitar a gente. e ela enfeitava, enfeitava e deixava todos os filhos assim, bem bonitos. mas teve um dia, que não me lembro bem, quer dizer, me lembro de pouca coisa, que vi minha mãe deitada. ela estava deitada na sala. bonita, arrumada. dormia um sono tranquilo. tinha levantado mais cedo para fazer um bolo e depois só a vi deitada na sala. minha avó e meu pai também estavam na sala e choravam porque ela estava deitada. mas para mim ela estava dormindo. e eu a achava bonita com aqueles cabelos pretos e aquela pele branca deitada, leve. e eu não entendi muito bem até hoje, mas acho que ela ainda está dormindo. porque nunca mais ela me enfeitou e nunca mais teve bolo. ainda hoje eu tento me enfeitar. mas enfeitar a alma dói, sabe? dói muito. eu não a vi mais. mas toda vez que me enfeito, toda vez que eu sorrio e toda vez que eu canto eu lembro dela. e isso me faz ficar melhor. e eu falo sempre baixinho para mim mesma até o dia que eu vir minha mãe acordada de novo.: "vai passar, isso vai passar..."

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A vida segundo C. L.

“Eu disse a uma amiga: — A vida sempre superexigiu de mim. Ela disse: — Mas lembre-se de que você também superexige da vida. Sim.” E como ser diferente? mergulhar em si mesmo talvez seja o mais profundo e absissal sofrimento. E também o mais divino perdão. Perdoar não no sentido cristão, mas no sentido de sentir a si mesmo como um ser humano, alguém capaz de erros tão incomuns quanto uma chuva de sapos. Ao não exigir muito da vida não deixamos de nos levar a sério. Não. Apenas nos deixamos sentir o que a vida nos apresenta. E isso é raro. É o mais raro. A paixão é uma dor tão forte, mas tão forte que parece que vai nos sufocar na falta do outro. E o outro muitas vezes somos nós mesmo. Entender não é o mais importante. E aprender isso com 30 anos é o maior presente que se pode ter. Superexigir-se menos. Da vida, do outro, de si. C.L.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

lendo e (re) lendo

comprei Có em sampa há mais ou menos um ano atrás. estranho pq eu já tinha lido o livro e etc, mas agora algumas coisas vem me fazendo sentido. o gustavo duarte que faz o livro é um cara que eu gostaria de conhecer. com quadrinhos vivos e um traço singular, o gustavo traz pra gente uma narrativa linda, tocante e surreal. própria dos quadrinhos mais ousados. não é sem propósito que ele anda com o bá e o moon. enfim. lançou agora "taxi" uma obra que ainda não tenho e estou com mta vontade de ler. "Có" é um livro que ensina por imagens a ler as ideias, o olhar. e se o quadrinho assim não for cinema, não falo mais nada. rs. Leiam. Có é uma leitura de minutos, mas que fica pra sempre.
ah Mutarelli seu maluco. confesso a vocês que conheço pouco da obra do mutarelli. a não ser o que tenho visto, lido e assistido, o mutarelli pra mim é um senhorzinho que passaria muito bem se fosse médico de ouvido. rs. sabe? daqueles bem bonzinhos. mas de bonzinho o mutarelli não tem nada. é um tremendo de um artista. bom, explicando: meu primeiro contato com ele foi, obviamente como para muitos, o filme "o cheiro do ralo". não li o livro. só vi o filme. depois, fiz questão de ver a peça "música para ninar dinossauros" na mostra do cemitério de automóveis nos "porões" do centro cultural vergueiro em sampa. rapaz. que coisa que foi aquilo. mesmo. estava sozinha e já tinha visto o mutarelli algumas vezes na HQmix na Roosevelt. mas sabe que o teatro me tirou do ar. o cara é foda. junto com o bortolotto pra mim é o teatro marginal no sentido da criatividade que mais gostei de ver. consegui conversar com ele dois minutos entregando umas "cafés", mas eu estava tão nervosa de estar perto dele que só consegui dar um beijo, um oi, entregar as revsitas e falar tchau. rs.
e então que serginho me aparece com esse livro.
- leia. vc vai gostar. mas eu preferi "jesus kid".
a narrativa do mutarelli nos transporta para o que há de novo dentro da literatura. por ser um cara que gosta também de quadrinhos e que possui uma ousadia só dele, ele me fez um livro inteiro em diálogos. inteiro. e porra, deu super certo.
paulo está desmemoriado. e em diálogos curtos e um final sem fim ele me supreende. "cadê o fim dessa merda?" rs.
o livro me lembrou o filme que amo "durval discos" que também não me apresentou o final.
- porra, como fazer isso?
fazendo e ousando. nesse livro do mutarelli percebemos que não importa o final e sim a caminhada. como diria guimarães. é na caminhada que vamos descobrindo as histórias. vale a pena ler e reler.
eu já tinha visto o grampá na Hqmix também, mas nunca conversei com ele. já tinha pego esse livro na mão, mas não tive tempo de ler.
enfim que isso não é desculpa. é um livro de menos de meia hora que transforma nosso olhar sobre os "cenários" e as "cenas".
com um prefácio do mutarelli (tinha que ser), grampá detona nos desenhos, no roteiro e nos apresenta um faroeste (não é bem essa palavra), nos apresenta uma sangrenta e sanguinária história marcada por um desfecho genial e ousado.
o traço do garoto leva a gente a entrar no livro. e de novo, os poucos diálogos nos enchem pelas imagens espetaculares e uma narrativa diferenciada. é cinema. sem dúvida.
"Mesmo Delivery" é para aquelas pessoas que gostam de Tarantino, dos irmãos Cohen e principalmente de qualidade e profissionalismo na arte sequencial.

o cinema

Desde criança eu amo cinema. Foi uma das minhas primeiras paixões. E para mim a sétima arte pode ser considerada a minha preferida, junto com os quadrinhos. Quando eu era crianças, o cinema tinha uma aura mágica. Sim, porque nos anos 1980 as pessoas não tinham acesso tão fácil aos filmes e às películas e era necessário ir ao cinema, sair de casa e se dispor a ver um filme. O que se tornava para mim mais do que um passeio. Era uma forma que eu tinha de entrar em contato com uma nova realidade, mais mágica, mais segura. E me lembro do chão do Cine Peduti em Marília, do barulho do cinema quando andávamos no chão de madeira, das poltronas de madeiras, do silêncio e do riso em conjunto. E do barulhinho que fazia a cada mudança de de cena no projetor e pensava: - Nossa, isso é mágico... E sempre foi e sempre tive um respeito incrível por essa sensação de pertencimento a um local. O Cine Peduti não era só um cinema, mas também um teatro. Então a tela era grande e ficava mais funda quando os atores surgiam para divulgar seus filmes. Próximo àquela cena de “Cantando na Chuva” quando Don Lock e Lina Lamort aparecem no cinema. Mágico, muito mágico. Então me lembro do primeiro filme francês que vi, aos 18 anos no cinema. Digo isso porque antes eu não tinha muito acesso e muito menos conhecimento para tal ação. Não foi no Cine Peduti que vi “A Noite Americana” (França, 1973) de Truffaut, mas em um lugar ainda mais mágico: O Clube de Cinema de Marília, fundado em 1951. Nos idos dos anos 1990, assistir a esse filme me fez abrir os olhos e entender o que é cinema de verdade. “Um dos filmes que melhor representa as loucuras que se passam em um set de filmagem. Um ator que fica deprimido porque sua noiva sai com um dublê, uma atriz que se entregou às bebidas e não consegue lembrar de suas falas e muitas outras confusões, que o diretor deve fazer de tudo para contornar, até gravarem uma das cenas mais importantes do filme: a que o dia deve ser transformado em noite artificialmente”. E foi realmente mágico esse momento porque foi a primeira vez que vi o que era cinema de verdade, e o que o cinema poderia fazer com a minha concepção de mundo. O meu respeito por essa arte só aumentou e depois disso, a tela grande tornou-se para mim uma referência artística. Depois disso veio todas as referências do cinema europeu: Godard, Fellini, Antonionni e tantos outros. Entender o que é Cinema não é tarefa fácil. Muito menos farei isso agora. Mas posso dizer com prazer que é inevitável não se apaixonar.

domingo, 28 de novembro de 2010

final de semana

talvez que o propósito desse post não seja falar necessariamente tudo o que fiz no final de semana, mas sim, tudo o que o final de semana me levou a pensar. Ou a lembrar. lembrei de quando eu era criança. Levei a Mariana, minha prima de 3 anos para assistir o espetáculo "Saltimbancos" na Elam. (Escola Livre de Artes de Marília). A Mariana, diga-se de passagem, é uma excelente companhia e tem me ensinado muito coisa. Uma delas foi no espetáculo. Quando o cachorro e a gata brigam, ela virou para mim e disse: - é de mentira, tia, eu não estou com medo. antes de entrar na peça, combinamos que se ela tivesse medo era só me avisar. chegou pertinho de mim, segurou no meu vestido e disse que não estava com medo. mas era bom que eu estivesse por ali. depois, dançou, cantou e bateu palma durante toda a apresentação. e o que é o medo, não é? a gente, que se diz adulto, tem tanto medo. e ela tão pequena me disse que não tinha medo. mas um pouquinho de medo, ela tinha. - é só uma pessoa vestida de cachorro e de gato, tia. não estou com medo. certo, mariana. certo. e a gente sem fantasia tem medo do outro. e das nossas próprias fantasias também. do que parece ser tão real e está apenas ali, encenado pra gente. não é de verdade. é só a vida. a Mariana enfrentou o medo dela. olhou para mim com uma carinha de assustada. e quando eu olhei para ela de volta e disse: - estou aqui, mari. a tia está aqui. ela pegou na minha mão e disse que não tinha mais medo. e que bom que é ter alguém pra gente pegar na mão, não é mesmo? para estar perto, para não sentir solidão. (sim, a solidão também causa medo. em mim causa bastante.) e que bom que é isso. olhar no outro e senti-lo por perto, para não sentir medo. eu ainda tenho muitos medos. muitos. e o bom é que estou conseguindo enfrentá-los. aos poucos, mas estou. o espetáculo para mim foi um presente. o jumento, a gatinha, a galinha cega e o cachorro animaram deveras a minha noite de sábado. brilhantemente feito pelos meus amigos da Elam. e no domingo o que ficou foi a peça "reticências" no sesi. um apresentação que falava também dos nossos medos e do que a gente sente falta. "da grama molhada, do cheiro de caramelo". eu sinto falta de por o pé no chão. de sentir a terra. a grama. do cheiro da chuva. e o abraço apertado que não existe mais. eu sinto falta do parquinho que eu brincava. de quando eu achava que com um pano eu cobria a rodinha de brinquedo que ficava no quintal de casa e fazia uma casinha. e andava de bicicleta com o vento no rosto. eu sinto saudade de ver meus irmãos dormindo no mesmo quarto que eu. eu tenho saudade daqueles meu sonhos mais íntimos, daqueles meu projetos mais internos que se transformaram na vida que levo hoje. mas não está me faltando nada. aliás, está. está faltando ainda um tantinho de mim. mas isso ainda vai chegar. tenho certeza. e eu vou encontrando um pouquinho de mim em mim mesma e em cada um. encontrei um pouco na Mariana. E como foi bom. E como é bom tê-la por perto.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A tal da sacolinha

- Quer sacolinha? Bom, quando estamos em alguma loja e ouvimos isso, já é um grande passo. Porque na maioria das vezes, as pessoas não perguntam. Você vai a uma loja e compra uma lixa de unha, uma pinça que seja e a pessoa pega num pacote que parece um malote de banco, uma sacolinha de plástico para colocar uma mísera comprinha sua. E você, como ser educado que é, chega em casa (quando joga em casa, senão é na rua mesmo) e joga a sacolinha no lixo. Geralmene, no mesmo lixo que você joga material orgânico. Pois bem, pessoal, chegou a hora de abrirmos nossos olhos e principalmente nossa mente para algo maior nessa vida. E digo isso em nome do Planeta Terra, do mundo em que vivemos, do Brasil, do estado de São Paulo, de Marília, do meu bairro e da minha casa. Claro, esse texto aqui não é uma pregação, nem uma regra a ser seguida, é apenas uma reflexão que proponho: sejamos um pouco mais conscientes. Na farmácia e na padaria que costumo ir eles já sabem: - Sacola de plástico não, né lídia? Não. Sempre não. Experimente ir a uma loja de R$ 1,99? Além de ficar tocando um sertanejo insuportável o dia todo (deviam pagar insalubridade por isso, e olha, nada contra os cantores sertanejos, nada. São dignos e estão fazendo seu trabalho. o que eu tenho contra é o excesso desse tipo de som). Pois bem, além de sertanejo, os caras nem perguntam se você quer sacolinha e já enfiam lá dentro aquele "bibelô" de 2 centímetros ou o pacote de biscoito de chocolate. "Quando surgiram, no fim da década de 1950, as sacolas de plástico eram motivo de orgulho das redes de supermercados e símbolo de status entre as donas-de-casa. Em meio século, passaram de símbolo da modernidade a vilãs do meio ambiente. O motivo: o plástico polui - e muito. As sacolas são incapazes de se decompor em curto prazo. Trata-se, portanto, de uma decisão lógica: aboli-las. As sacolas de plástico demoram pelo menos 300 anos para sumir no meio ambiente. Em todo o mundo são produzidos 500 bilhões de unidades a cada ano, o equivalente a 1,4 bilhão por dia ou a 1 milhão por minuto. No Brasil, 1 bilhão de sacolas são distribuídas nos supermercados mensalmente - o que dá 66 sacolas por brasileiro ao mês". Quem usa 66 sacolas por mês? Esses dias no trabalho, tive uma cena interessante de ser vista. Durante uma tarde muita ventania, o céu ficou cinza e as árvores mexiam muito lá fora. Fui até a janela e fiquei observando. De repente um saco plástico passou na minha frente. Uma sacolinha plásticas, dessas simples. Passou voando e continuou ali por um tempo. Depois foi mais para frente. Subiu, desceu e foi em direção ao outro lado da rua. Trabalho no segundo andar. Foi lindo. Lindo. Se não fosse tão real e tão triste. Eu me senti no filme da Estamira. Aquela tempestade toda, aqueles papéis e aquelas sacolas voando. E no "Beleza Americana". tão belo quanto imundo aquela sacola dando o ar da graça. Eu preferia que tivesse sido um beija-flor. Ou uma borboleta. Se puderem dizer não, digam. É simples. E ainda faz uma puta diferença. -Sacolinha? - Não, obrigada. Vou ajudar o meio ambiente.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

o silêncio

Sempre que penso em escrever algo, busco dentro de mim o que me é mais caro e necessariamente, mais raro também. E o raro é aquilo que só no fundo, bem no fundo podemos contemplar, acompanhar, entender. Para mim, acompanhar aquilo que tem se passado dentro de meus pensamentos é que tem sido raro. Uma onda maior tem tomado de assalto as coisas que tenho pensado em viver, e principalmente, em sentir. E o sentimento é aquele de ferir, de rasgar a pele, os olhos de tanto doer de procurar internamente aquilo que mais tento entender: o equilíbrio. Tem sido muito raro para mim o silêncio. O silêncio interno, de meus pensamentos, de minhas atitudes e ações. O não e o sim na mesma medida. O respeito e o espaço em proporções aureas e absolutas. Contemplar o que tem de mais raro dentro de nós mesmos é buscar aquilo que nos fortalece, que nos faz entender a sede que nossa alma tem nessa vida. Para mim é a sede de arte. De uma busca incessante de conhecer novas formas, cores e sons. E também a busca incessante por mim mesma. Nesse caminho tenho sentido que me perdi. A palavra, a palavra encantada e casada com a outra tem parecido ser algo tão raro, que se torna difuso. E a palavra em silêncio. Só, gritando só em sua parte mais íntima de toque: com o papel. E tocar o papel com as palavras não é para qualquer um. Não. Tenho sentido falta de mim em minha escrita, em minha vida. E isso tem me impedido de ver algumas coisas que também me são caras. E raras. Essa prisão na qual nós mesmos nos prendemos muitas vezes é que nos faz refém de uma vida que não nos convém, que não nos deixa ir além do que se é. Ousadia. Essa será a palavra de ordem. Ou de vida. Se a vida se dá na travessia, como diz Guimarães, atravessemos. Andemos por sobre essa vida. E que o medo não me impeça de ver que o raro está em poder fazer isso. E contemplar o que for feito e o que há de ser feito. Mas sei que o peso agora está grande. E os elefantes fantasmas vão ter que alguma hora dar espaço para os passarinhos cantores. E o silêncio para mim está justamente em pressentir que há espaço para ouvir esses meus imensos barulhos internos. Essa minha ansiedade em viver.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dry Martini

Sentou no bar e olhou o cardápio. Na verdade não queria comer e nem pedir nada, mas o cardápio era tão bonito, tão pop art. Olhou tudo e pensou em pedir algo. só não sabia ainda o que. Ali pensou que a vida que estava levando é que estava assim: indecisa. Uma vida indecisa.
Chegava agora a uma idade onde o questionamento e a reflexão eram quase tão naturais quanto respirar e o respirar estava difícil. Estava mesmo.
Principalmente aquele ar novo que vinha de dentro. Um ar estranho, tal qual um cheiro novo. Nem bom e nem ruim. Apenas novo.
Decidiu que queria conhecer as coisas que não havia experimentado antes. A vida mesmo. O amor. E a liberdade de ousar querer ser quem é.
E quem era ela naquele momento?
"sou uma soma de tudo, de todos, de todas as expectativas criadas em relação a mim". Aquela luz intimista do bar lhe mostrava um caminho novo e ousado, na direção de algo que não conhecia ao certo. E isso lhe fazia bem. Lhe fazia tão bem ser e ter algo que não conhecia em suas mãos.
Olhou gentilmente para o rapaz da mesa ao lado. Gentilmente porque queria pedir que ele lhe salvasse da solidão que estava assolando seu coração.
"Mas eu nunca quis casar, isso não é para mim".
Talvez. Mas pelo simples fato de não ter certeza já se punha tranquila.
Olhou novamente para o rapaz que estava na mesa ao lado. Seus olhos se cruzaram e ela conseguiu fixar o olhar nele. Lentamente as pupilas foram se dilatando. Lentamente. E enquanto ele olhava para o lado em direção a ela, ela também olhava.
E assim foram dançando com o olhar. Sem se tocar. Sem se conhecer. Esboçou um sorriso e seus olhos se baixaram em direção a mesa, assim como os dele, que também sorriu.
Dançaram com o olhar e quando foram se olhar de novo: "algo para beber, senhorita?" disse um garçon frio e antipático.
ela rapidamente olhou o cardápio e pediu:
"dry martini. pouco gelo".
E eles voltaram a dançar. Com os olhos.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pão e Circo - por Oswaldo Mendes

bom, o que me dá alegria é saber que muitas vezes quando quero me expressar e não consigo, eu acabo conhecendo alguém que faz isso melhor do que ninguém. Oswaldinho Mendes, meu amigo fez (pra variar) um belíssimo texto sobre a questão Cultural e da Arte no nosso mísero e pequeno país. (com mínuscula país, por favor). E estamos falando de Brasil, mas aqui, nesse sertão cultural que nos assola chamada Marília, o que me dá deveras vergonha é saber que existem artistas fantásticos como o Sr. Aloísio Dias, pintor premiadíssimo, o pessoal da Cia Móbiles com a peça brutal e visceral "Brutas Flores", Luca Bernar e seu Jazz e tantos outros vagando por uma cidade que parece que se esqueceu de olhar para si mesma e para sua arte e cultura. E dá-lhe virada cultural e apresentações de Stand- Up. Me diga, o que identifica um povo, além de seu idioma? A sua arte. Aqui na minha cidade o que identifica é o Miss Marília. Lamentável. Lamentável. Segue o texto. O Oswaldinho é mestre. Eu estou só no aprendizado. Ainda.
Farinha pouca, meu pirão primeiro Oswaldo Mendes Do coletivo teatral que conseguirá pagar o imóvel alugado graças ao programa de fomento da Prefeitura de São Paulo, ao grupo da pequena e longínqua cidade agraciado por um dos Pontos de Cultura do governo federal, sem esquecer os municípios que se agitam com as periódicas viradas culturais do governo paulista, estamos todos satisfeitos. Para quem se acostumou a viver, nos últimos tempos, da mão pra boca, não há do que reclamar. Talvez seja por isso que, na recente campanha eleitoral, a palavra Cultura sequer tenha sido pronunciada, menos ainda discutida, por nenhum candidato a qualquer cargo. E não faltaram pagodeiros, palhaços, atores, sambistas e outras celebridades de calibres diferentes apresentando-se aos eleitores.
Nem os candidatos que em sua biografia lembram, quando oportuno, terem alimentado veleidades artísticas na juventude e os que ainda hoje cometem versos apaixonados ousaram tocar no assunto. Por quê? Simples. Vai tudo muito bem e quem se queixa é porque ainda não chegou a sua vez de ouvir tilintar no pires as moedas redentoras. Basta um pouco de paciência. Quem sobreviver terá seus trocados. Alegrem-se, pois há bolsas para todos. Até para os entretenimentos chiques, ou megaeventos musicais, dançantes, circenses, visuais, plásticos, gráficos, cibernéticos, literários, cinematográficos e teatrais – sem esquecer as feiras de uva ou de gado – aos quais bancos, financeiras ou empresas de grande porte, nacionais ou multinacionais, destinam os seus patrocínios sob as bênçãos da Receita Federal e do bolso dos contribuintes. O pão para o circo, enfim, está garantido. Lamentar, quem há de? Talvez a Civilização e as gerações futuras, mas por enquanto elas não têm direito a voz nem voto, pois a barbárie fashion venceu e dá as cartas como nunca antes na história deste País, para recorrer à máxima irresistível dos nossos novos descobridores que singram suas caravelas neste deserto de ideias, à esquerda e à direita.
A ausência da Cultura (maiúscula, por favor) em todos os palanques reflete em primeira e última instância a ausência do Pensamento e, com ele, das ideias, que foram substituídas por receituários, apresentados pelos candidatos como panaceias (que mais parecem placebos) para as urgências cotidianas da população. Esse vazio de ideias se observa, e não só no período eleitoral, na maioria das organizações sociais e políticas, partidos à frente. Fala-se da despolitização dos cidadãos anônimos, como se ela não tivesse atingido a todos. Mesmo quando grupos de ilustres cidadãos se manifestam, o que está em pauta é o varejo da Política, seja o alerta encabeçado por D. Paulo Evaristo, sobre a ostensiva presença de Lula na campanha de sua candidata, seja a réplica de juristas liderada por Márcio Thomaz Bastos, considerando justo que o Presidente faça tudo o que faz. Cabeças coroadas que já estiveram juntas em outros e mais nobres embates, agora preferem divergir sobre circunstâncias, ainda que se reconheça a legitimidade de suas motivações atuais. Mas o que elas fizeram não foi senão reforçar a prática de caminhar olhando para a ponta dos pés, abdicando de um debate que exercite o Pensamento e seja capaz de refletir sobre ideias que possam apontar para além dos acertos e mazelas do momento. Esse é o resultado mais perverso do continuado processo de despolitização da vida brasileira, do qual nem artistas e intelectuais escaparam ao longo das últimas décadas. Também nos palcos e nas telas, sobra pouco espaço para ideias. Venceu ali, como no resto do país, o entretenimento. Eventuais exceções não contam. Há que sobreviver, argumentamos como desculpa acanhada. Como se a sobrevivência fosse o objetivo de quem acredita na Arte como valor a ser perseguido. Há formas menos envergonhadas e mais dignas de “sobreviver”.
Criou-se assim o círculo da barbárie. Se a Cultura esteve (e continua agora no segundo turno) ausente das eleições e dos discursos de todos os candidatos é porque, talvez, os que a representam também abdicaram de promovê-la. Preferem as políticas de resultado, que lhes garantam sobreviver com fomentos, viradas e pontos de cultura (em minúscula mesmo) e CEUs que apontam para lugar nenhum. Não há preocupação em refletir a respeito, nem mesmo na imprensa, que se limita a promover o nada, refém de uma invisível “indústria cultural” que pauta os seus interesses, ou, quando a consciência lhe pesa, encastela-se num iluminismo tardio. Ninguém, na imprensa ou fora dela, se espantou quando um secretário da Cultura recentemente proclamou aliviado que a sua pasta não tem nada a ver com a Educação. Não tem mesmo, na lógica dos nossos (des) governantes e dos seus sucessores. Nem a Educação tem coisa alguma a ver com a Cultura. Vigora a lei do cada um por si e o diabo para todos. Só nos resta esperar que haja Unidades de Polícias Pacificadoras para todos.
O autor, Oswaldo Mendes, é ator, diretor de teatro e dramaturgo, autor de “Bendito maldito – Uma biografia de Plínio Marcos” (Editora Leya), prêmio Jabuti 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Monólogo de Segismundo

Assisti ontem uma parte do filme 'Tempos de Paz". Não tenho como fazer considerações acerca do filme todo, apenas da parte que me cabe neste extraordiánário cinema. Porque sem sombra de dúvidas, um filme que tem Tony Ramos e o genial Dan Stulbach não pode deixar de ser visto. Mais pelo Dan do que pelo Tony. "Tempos de Paz" é uma homenagem justa aos que deixaram esse país mais rico culturalmente quando foram forçosamente exilados de sua terra, no caso do filme, da Polônia. Pois bem, parei para assistir esse filme quase no final quando o personagem de Tony diz que dará o salvo-conduto para o personagem de Dan caso ele lhe faça chorar com sua arte, que é ser ator. E em uma cena quase final belíssima onde os atores se jogam na emoção, principalmente Dan, um poema é recitado: "Monólogo de Segismundo". Vou reproduzí-lo aqui nas partes principais, ou as que mais me tocaram, e quando eu assistir o filme todo comento melhor. E vou reproduzí-lo também pelo fato de que esse monólogo transmite como estamos presos nessa suposta liberdade que achamos que temos. Eu não tenho liberdade alguma. Muitas vezes nem de ser eu mesma. A minha única liberdade é interna e são os meus pensamentos. Do resto, só falta me acorrentar.
Monologo de Segismundo
..... Nasce a ave, e com as graças que lhe dão beleza suma, apenas é flor de pluma, ou ramalhete com asas, quando as etéreas plagas corta com velocidade, negando-se à piedadedo ninho que deixa em calma: só eu, que tenho mais alma, tenho menos liberdade? Nasce a fera, e com a pele que desenham manchas belas, apenas signo é de estrelas graças ao douto pincel, quando atrevida e cruel, a humana necessidadelhe ensina a ter crueldade, monstro de seu labirinto: só eu, com melhor instinto, tenho menos liberdade? Nasce o peixe, e não respira, aborto de ovas e lamas, e apenas baixel de escamaspor sobre as ondas se mira, quando a toda a parte gira, num medir da imensidade co'a tanta capacidadeque lhe dá o centro frio: só eu, com mais alvedrio,tenho menos liberdade? Nasce o arroio, uma cobra que entre as flores se desata, e apenas, serpe de prata, por entre as flores se desdobra, já, cantor, celebra a obra da natura em piedade que lhe dá a majestadedo campo aberto à descida: só eu que tenho mais vida,tenho menos liberdade?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

o excesso

Uma das coisas que mais tem me consumido esses últimos tempos é o excesso. Estou num excesso de ideias, está além do que eu previa. está além também a minha falta de tempo comigo, a minha falta de reflexão interna para dar conta do externo. eu precisava de um tempo em um lugar em silêncio, longe desse excesso de dias e de horas que atacam o meu cotidiano. e o que me cansa é o excesso de gente, o excesso de alegria e de tristeza que paira onde estamos quando a nossa cabeça também pede um tempo. a falta de comprometimento em ser apenas, em ser. "felicidades", "fique bem". enfim. nada disso mais tem surtido efeito. quando me dou conta parece que tenho feito tudo no impulso do momento, da falta de olhar para mim mesma. estou grudada na rotina. e esses dias o que tem me acalmado é o barulho do vento, o cheiro da chuva, a luz do começo do dia. quero ver os pingos de chuva em câmera lenta e ver que o vento faz as plantas dançarem calmente onde sempre estiveram, me alertando que basta abrir meus olhos para que as coisas funcionem de outra maneira, com outra perspectiva. o meu olhar para dentro de mim está me fazendo uma grande falta. está tudo em excesso: meus pensamentos, minhas dores e amores e minhas saudades de algo que ainda nem vivi e daquilo que vivi com tanta intensidade. e em excesso também está o meu medo.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A Frente Fria que a Chuva Traz

Cena da peça: A Frente Fria que a Chuva Traz
A genial e visceral Fernanda D'Umbra em cena como a divina Amsterdã
Fernanda e Mário Bortolotto
O nome desse post bem que poderia ser atribuído ao que vive em São Paulo na última semana. Choveu. Choveu muito. E entre uma chuva e outra, um vento frio se acumulava nas esquinas da Augusta. E eu senti frio também. Muito frio.
Claro que agora será um tanto difícil para mim escrever tudo que vi e vivi esses quatro dias que fiquei lá. Sempre volto de São Paulo triste e feliz ao mesmo tempo. Um paradoxo, é claro, como tem sido a minha vida.
Volto triste de ter que deixar para trás aqueles litros que cultura que impregnam na minha alma quando estou lá. Raramente consigo dormir bem e muito. Quero aproveitar tudo como se restasse apenas um gole. O último gole. E volto para cá, para a cidade onde nasci e vejo que lamentávelmente estou ilhada nas minhas ideias e vontades.
Enfim, por isso eu volto triste. E também volto feliz porque as coisas que vejo, assisto e ouço alimentam a minha alma de vontades e expectativas. Me fazem ver que posso me sentir viva, dolorida no choro compulsivo em uma exposição sobre o câncer de mama belíssima e aterrorisada com o filme canadense "eu matei minha mãe" (isso é para um outro post) e delirando com a peça genial do Bortolotto que assisti no Centro Cultural Vergueiro por míseros cinco mangos.
Pois bem, achei aqui vários textos que discorriam sobre o intitulado teatro. Mas não vou reproduzí-los. Eu gostaria porque são textos maravilhosos que fazem jus ao que podemos chamar de teatro verdadeiro, que toca, o teatro real mesmo.
Mas eu estaria me enganando reproduzindo-os aqui. Sim, porque o que eu quero falar aqui não é uma crítica da peça, porque não tenho competência alguma para isso. O que eu quero falar aqui é que essa peça Bortolotto encenada nos porões do Centro Cultural devia ser vista por todos.
Esqueminha básico para todos entenderem: há uma festa em uma lage numa favela bancada por dois playboys movimentadas a drogas, sexo e bebidas. Bortolotto faz o papel de Vítor, o porteiro fechadão e Fernanda D'Umbra de Amsterdã, a mais porra louca de todos.
Bortolotto quase não fala, apenas anda de um lugar para outro e olha com um olhar daqueles que só os grandes mestres podem fazer me cena. Fernanda ao contrário fala pra caralho, e se mostra monstruosa em suas falas, textos e ações de uma drogada sem rumo em busca do amor, ou da aceitação ou negação de si.
Contudo, enquanto eu via a peça me vinha a cabeça: caraca, esse cara quase morreu esses tempos e está aí, em pé, fazendo arte. E vendo a Fernanda eu pensava: genial. simplesmente isso, genial.
A cena em que ficam apenas os dois no palco eu posso reproduzir para mim como a mais especial: ela em um canto da lage, ele, Vítor o porteiro em outro e ela abaixada, sentada, falando sem parar sobre a necessidade de mudança de vida. De repente abaixa a cabeça e diz:
- a única coisa que que queria é que alguém me alisasse, dissesse que vai ficar tudo bem.
Vítor se aproxima e não consegue tocá-la.
tá, eu contando vcs me dizem: ahã. e daí?
e daí que é lindo. é cinema, é literatura e é teatro junto. Sabe porquê? porque mexe com aquilo de mais íntimo nosso: a necessidade do outro para sobreviver. nem que seja de um olhar.
que podemos encontrar na família quando temos uma, nos amigos e até mesmo em um porteiro.
"A Frente Fria que a Chuva Traz" é arrebatador. Nos coloca na situação de miseráveis, de vermes de uma situação a que somos convenientes: a situação de lavarmos nossa mão e dizermos "não tenho nada com isso".
Tem sim. tem muito a ver com isso. Com a situação desastrosa que está a sua própria vida. Você faz o que gosta? ou se questione simplesmente: está feliz? hã? me diga!
Terminou a peça e eu não conseguia parar de aplaudir. Fiquei sentada e a única coisa que queria era dar um abraço no Mário e na Fernanda.
Eu não consegui. Eles são super acessíveis. Mas eu não consegui. Quando estou frente a frente com esses caras que são tão grandes eu me convenço mais ainda de como sou pequena. A única coisa que consegui fazer foi fechar meus olhos e agradecer. Por estar ali, por ver a peça e por sentir o tanto que ainda tenho que viver e aprender.
Estava frio. Muito frio na saída. Tinha chovido...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O que é transgredir?

Pois bem, há tempos queria discutir algo aqui nesse blog, na verdade, acho que comigo mesmo. Sim, porque tudo que escrevemos ou discutimos é nosso próprio reflexão, não é não? Mas não é disso que quero falar. O contexto é: observação. e uma coisa que gosto é de observar o comportamento das pessoas. e confesso: estou assustadíssima. tenho feito algumas coisas do sentido de transgredir. e aí vocês me perguntam: como assim? pintar o cabelo de verde? arrotar na cara de um velhinho? deixar um cego tropeçar por minha causa? o que é transgredir numa sociedade como a nossa? pra mim só tem uma resposta: respeitar. nada mais choca as pessoas. a pobreza, a miséria, o medo. está tudo muito "normal", de norma mesmo, do sentido de ser certo agir de determinadas maneiras. por exemplo: é normal parar no pare e dar espaço para o pedestre. certo? errado. o normal é você nem olhar na cara do sujeito e ir com o carro o mais rápido que puder. e eu faço de propósito, fico olhando quando estou à pé para a cara do motorista. ontem observei dez carros passarem na minha frente e eu parada no pare e ninguém, NINGUÉM parou. então, para transgredir, eu paro o carro no pare e dou licença para o pedestre. alguns não acreditam. passam correndo desconfiados e com medo. mas eu paro. a carol bensimon escreveu sobre isso hoje no twitter e eu pensei: caramba, não é por acaso então. fui até a rodoviária mega super faturada da cidade e na fila da passagem estava um rapaz da minha época de adolescente. eu me lembro dele das festas. era o mais bonito, o mais bonito mesmo. pois bem, estava na fila hoje, na minha frente. se achando alucinadamente, o que não me deixou nem um pouco constrangida. se achando não sei porque, mas estava. mas enfim. antes dele um senhor estava sendo atendido e nisso chegou um senhor mais velhinho ainda, com três sacolas na mão para perguntar uma informação para a atendente. nem a atendente nem o senhor deram espaço para o velhinho. ninguém. aquilo foi mexendo comigo de um jeito estranho. pensei: "caralho, que esse moço bonito dê espaço para o velhinho". não. ele chegou para ser atendido, olhou com aquela cara para o velhinho e não dava espaço para o pobre. nem ele e nem a atendente. aquilo foi me subindo de um jeito louco, mas que coisa! será que as pessoas esqueceram de se enxergar? acredito que sim. a transgressão agora está em pedir desculpa, muito obrigada, sorrir e dar lugar na fila para as pessoas mais velhas. a transgressão agora está em cumprir o que prometeu, em fazer o melhor possível, em ser ético, em ser honesto. os valores são outros e eu realmente me preocupo com o mundo que vai ficar aí para depois. ou melhor, para agora. as pessoas desaprenderam a olhar para o lado. o umbigo e o eu é o que conta. nada de perguntar: "como você está?". nada de dizer: "se precisar, estou aqui". melhor transgredir. o mundo já está osso demais.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

a mulher carente

todos os dias ela almoçava no mesmo restaurante. todos os dias. conhecia as pessoas de lá, da moça do caixa ao senhor que cuidava dos carros. bom dia, dizia ao entrar. E entrava se sentido em casa. todos a cumprimentavam pelo nome. olá dona alzira, bom dia. e por isso ela se sentia bem. tinha lá seus 60 e poucos anos. cabelos escuros, mais para o tom marrom, que foi o que pediu ao cabeleireiro que já cuidava do seu cabelo há nos. todos os dias dona alzira chegava ao restaurante e já tinha seu lugar cativo. viúva, não quis ter filhos. teve dois sobrinhos que amou muito, mas que haviam mudado de cidade quando crianças. dona alzira se sentia muito sozinha. sentava em uma mesa de apenas dois lugares. o outro lugar,é claro, ficava sempre vazio. e ela conversava com quem estivesse perto. oi, posso pegar seu bebê no colo? oi, que bonito o seu sapato! oi, come a abobrinha recheada, está uma delícia. e assim passava os almoços. na hora de pagar sempre lembrava que havia esquecido de pegar a marmita da janta. e voltava a se sentar e a conversar com as pessoas. sorria. mas não era um sorriso verdadeiro. ninguém sentia isso. era um sorriso de carência, daqueles sorrisos que precisam sempre de aprovação de alguém para que possam continuar sorrindo. se o outro não sorrisse de volta era um deus nos acuda. um dia acusou a pobre garçonete. te fiz algo, por acaso? e chorou compulsivamente. dona alzira chorou. a garçonete não. estava ocupada demais pensando se valdinho, seu namorado havia lhe traído. daí o mal humor da menina. dona alzira pegou então a marmita e um pedaço de bolo. é pra sobremesa, justificava. mas daí lembrou-se que tinha uma vizinha nova no prédio. para agradá-la, já que era carente, levou mais um pedaço de bolo. chegou ao prédio onde morava com o gato Lambida (ela o chama assim: lambida, vem cá) e passou no apartamento da nova vizinha. qdo esta abriu a porta, dona alzira percebeu o apartamente estava cheio de gente, de amigos e visitas. e então dona alzira se sentiu mais só e subiu, pé ante pé para o segundo andar que é onde morava. ao sentar para ver tv teve um mal súbito e morreu. deixou no testamento que queria ser enterrada junto ao marido. é que ela era muito carente mesmo. e pensou que na morte também seria assim.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Prêmio Jabuti

O meu querido amigo Oswaldo Mendes foi indicado para o Prêmio Jabuti pela biografia de Plínio Marcos, "Bendito Maldito". Eu tive o prazer de ler esse livro e de conhecer o Oswaldinho que é mariliense. Estou extremamente feliz e orgulhosa por ele. Está certo que sou suspeita pra falar porque adoro biografias, mas essa do Plínio feita pelo Oswaldo é um mergulho na história do teatro e da censura desse país. Simplesmente fantástico. Eu diria que enquanto a gente vai lendo a gente vai vendo as cenas. Cinema. E biografia de gente que fez diferença nessa vida é sempre bem-vinda. Que venham mais indicações e prêmios, Oswaldinho!
em tempo: a Carol Bensimon de quem eu sou uma super fã também está indicada pelo romance "Sinuca Embaixo D'água". O melhor livro de romance que eu li esses tempos. O melhor. Imagine vc estar indicada junto com João Ubaldo Ribeiro, Chico Buarque, Fabrício Corsaleti e Luis Fernando Veríssimo. Delírio. Eu não sou amiga da Carol, nem a conheço pessoalmente. Trocamos algumas mensagens pro twitter apenas. Mas eu quando crescer quero ser que nem ela. A Carol é o cara. hehe ela é super nova, já escreveu livros e faz doutorado em Paris.
Eu ainda serei grande assim! mas por enquanto vou admirando quem é! Parabéns Carol!

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Salvador

Salvador era um menino triste. Quer dizer, não era mais menino, nem era tão triste. Mas aparentava ser uma pessoa rancorosa e tinha lá suas preferências na vida. No trabalho era extremamente rigoroso e metódico. Nada saía de sua vista. Nada. Encarava todos com um olhar distante e sempre exigia mais. Não se sabe ainda se fazia isso por prazer ou por sadismo. Mas fazia. E quando as pessoas saíam de sua sala ele ria discretamente. Salvador gostava de motos e viagens. Era o que mais lhe fazia feliz na vida. Mas só viajar não era tudo. O que lhe dava prazer mesmo era revelar as fotos depois da viagem. Ah, como Salvador gostava disso! um dia cheguei no Foto e o encontrei lá. Conversava com dona Teresa, a senhora gorda de sorriso largo. Salvador vivia sozinho e tinha poucos amigos. Por isso, toda vez que ia viajar gostava de revelar as fotos e ficar mostrando uma a uma pra dona Teresa, contando a história de cada foto. um dia Salvador foi para o Canadá e voltou com mais de mil fotos para revelar. Sua satisfação era escolher uma a uma no computador e comentar: "é, essa ficou legal". foi então que ele foi no foto e dona Teresa não estava lá. Tinha tirado o dia de folga. Salvador ficou louco e não se deixou ser atendido por mais ninguém. Queria, acima de tudo, a d. Teresa, sua amiga, sua parcera de viagens. Foi embora com o CD de fotos na mão e disse em alto e bom som: "só serei atendido por D. Teresa". No outro dia, fez plantão em frente à loja. D. Teresa vinha a passos lentos descendo a rua e teve um susto quando chegou na loja e viu Salvador ali, sentado. - O que faz aqui tão cedo, Senhor? - Quero ser atendido por vc , D. Teresa. tenho tanta novidade pra contar dessa viagem. Foi então que um rapaz se aproximou e pediu uns trocados. Salvador e D. Teresa não tinham nada em mãos. E então rapaz pegou a bolsa com as fotos de Salvador. E o pobre homem, naquela idade, se pôs a chorar. D. Teresa o consolou. Ombro a ombro. E então que Salvador ao ouvir uma frase dita por D. Teresa quando esta o olhou nos olhos, disse: - tenho que ir trabalhar. Salvador nunca mais foi revelar fotos. Comprou uma impressora em casa e uma máquina fotográfica nova depois que o rapaz roubou a que tinha. D. Teresa comprou um gato e nunca se lembrava de comprar a ração. E o rapaz que roubou a máquina mandou revelar algumas fotos dizendo pros amigos: - Olha só para onde eu já fui! e os amigos diziam: - uau.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Diferenças

Bom, estive pensando sobre as diferenças notórias entre os homens e as mulheres. Fora a questão do sexo, o que mais me chama a atenção são as peculiaridades de cada um no sentido de como enxergam e se portam na vida, seja em público ou na vida privada. Pois bem, para mim uma das diferenças mais fortes é na hora de fazer a mala. Uma simples mala para uma viagem que durará, no máximo, se eles não brigarem na estrada, 3 dias. E então que enquanto o homem separa duas cuecas (para três dias), uma camiseta, um short e uma calça, a mulher aparece com uma mala sobrenatural achando que passará os próximos três meses longe de seus sapatos e maquiagens. Seis (veja bem, SEIS) blusinhas, seis sapatos, dois tipos de botas, 3 calças jeans, duas calças de moleton, seis blusinhas de frio, seis de calor, um moletom, uma jaqueta, roupa de sair, roupa de banho, chinelos, perfumes, cremes, roupas de dormir, xampu, condicionador e os 3 óleos de definir o cabelo, protetor solar, escova de dente, de cabelo e chapinha, além da coleção compleeeeeeeeeeeeeeta de maquiagem. Outra situação são os passeios no shopping. ah, os passeios no shopping. Isso rende que é um beleza. Você o seu respectivo entram apenas para jantar. Sim. Você uma saladinha básica e ele enche o pé naquele mega hamburguer. Jantam, em silêncio. O máximo que se diz é: - Amor, vai comer tudo isso? Limpa aqui que sujou - a mulher para o homem. Ele, com cara de tonto e com medo de que alguém esteja vendo, diz sério: - Pare com isso! - Grosso. (essa é a clássica) depois de um tempo, vem o instinto maternal e a necessidade imensa da fala. - Nossa, como está bom isso! Adoro essa salada! - ah, as mulheres, tudo para puxar assunto. Acabam de jantar. E ela gentilmente diz: - Vamos passear no shopping. Veja bem, não é um convite. É uma obrigação para que o macho ao seu lado te acompanhe pelas 1300 vitrines daquele espaço imenso cheio de coisas que farão o bolso dele ou o seu furar. - Precisava tanto de uma sandalinha... tsc tsc. Você sabe que não precisava, o coitado ao seu lado de saco cheio também sabe, mas daí vc entra na loja, prova 300 pares e todos, veja bem TODOS que vc prova vc pergunta pra criatura: - Gostou amor? Por favor né? o cara não sabe nem onde está, louco pra ver um futebol, tomar uma cerveja ou trepar com vc e vc me pergunta isso???? lamentável, lamentável. outra situação muito pertinente é o jantar na casa de um amigo. vc, ou seja o casal, sai do serviço. um busca o outro e não se beijam ao entrarem no carro. nem perguntam como foi o dia um do outro, apenas dizem: - correria né? - pois é. e vão para casa. chegando em casa a mulher fala: - amor, temos jantar hoje na casa do fulano. Porra!! justo hoje que tem futebol, justo hoje?? (essa é vontade do cara de falar, mas daí ele solta uma assim pra evitar qualquer briga): - mas hoje tem futebol, (vírgula) amor. - vamos, banho. e enfim que aquela criatura que já está barrigudinha ao seu lado vai para o banho. em dois minutos fica pronto e veste o quê? AQUELA CALÇA JEANS DESBOTADA E UM TÊNIS!!! vc claro tem um surto, briga com ele, manda a criatura por outra roupa. ele retruca, mas é claro que obedece. e vcs vão felizes para o jantar. filhos. essa é muito boa. reparar no cara antes e depois de ter filho. deviam tirar fotos do ser na maternidade. porque ele fica completamente retardado. - meu filho, que lindo, bilú, bilú....(com voz de criança) e observar um ser desses no shopping em liquidação é um prato cheio. enquanto a distinta senhora, que faz questão de mostrar a grossa aliança pra vendedora, pega 300 blusinhas, o ser fica com o filho dizendo do quê? - meu filho, que lindo, bilú, bilú....(com voz de criança) tente perguntar para um sujeito desses se a blusa vestiu bem, apesar da sua pancinha pós filho? ele te responde até rindo: - tá lindo, amor, tá lindo, não tá não? não tá? fala pra mamãe, fala pra mamãe...(com voz de criança) a observação é algo tão interessante....

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

a conversa

e então que chegou em casa depois de um dia todo de trabalho. contudo, no caminho para casa (gostava de ir andando, sempre) refletiu sobre o que andava acontecendo. "o que posso fazer para não me machucar mais?" e de repente veio uma resposta: - não viva. olhou para trás com pressa e não viu ninguém. então que olhou para o chão e lá estava um velhinho sentado. - não viva, apenas isso. se não quiser se machucar não se apaixone. - mas como assim? - retrucou. - a vida é feita disso, criança. de dores. é na dor que a gente cresce, é na dor que a gente nasce. a morte já não interessa, porque a morte é o final da caminhada. o importante é ir. mesmo sem saber como. - mas senhor, eu estou tão quebrado, tão estilhaçado por dentro. tão angustiado. é como se as coisas não andassem, entende? - entendo, criança. e é por isso que eu digo: viva apenas e agradeça por isso. as dores de amor e as dores da vida sempre vão te acompanhar. a você e a qualquer um. e faz parte também. - ser recusado assim, jogado faz parte? - faz criança, faz. se não foi é porque não era para ser, apenas isso. e pronto. não tem explicação, não tem que ter. agradeça apenas. foi um aprendizado. - mas e depois? ficarei sozinho para sempre? - que é ficar sozinho? o que é a solidão? você nasceu sozinho e há de morrer da mesma forma. na caminhada encontramos as almas que nos fazem crescer. mas elas não são eternas. não estarão para sempre com você aqui no plano terrestre. - e a minha raiva e a minha dor? - enfrente-as. você está aí para isso. e abrace o tempo. ele é seu maior companheiro. e então que olhou para o relógio e fechou os olhos. o céu estava azul. ao agradecer ao bom homem, olhou novamente para baixo e ele já não estava mais lá. em seu lugar havia areia e pó. um pó quase fino e transparente. colocou-se a andar novamente e quando olhou no espelho já estava com 80 anos. as dores agora eram outras.

domingo, 15 de agosto de 2010

Telefonema

- oi, tudo bem? como você está? tentei te ligar ontem, mas não consegui. quer dizer, eu consegui, acho que foi você que não conseguiu atender. enfim. eu só queria dizer oi, saber da sua vida. não te liguei para cobrar nada, juro. aliás, nem teria porque cobrar algo. o que nós temos? nada. além de amor, acho que mais nada. quer dizer, da minha parte eu sei que é amor, mas e da sua?desculpe. eu acho que já passei dos limites te ligando, não é? é que, desculpe novamente, eu só queria entender: onde é que desandou? onde erramos? onde errei? estava tudo tão certo, tão bom. nossas conversas, nossos olhares. eu só não sei onde é que tudo isso foi parar. de verdade. eu não estou te cobrando nada, pelo contrário. Quer dizer, acho que estou sim. Na verdade estou cobrando de mim uma explicação de ainda não ter esquecido você. Porque essa confusão toda aqui dentro dói, viu, dói muito. Eu queria entender porque você não fala mais comigo, entender as coisas, entende? puxa vida, eu mereço isso, de verdade! qual foi o problema? o que fiz pra vc? eu sei que sou um tanto intempestiva, fujo da realidade muitas vezes, descontrolo, mas poxa vida, eu te amo, entende? eu quero estar com você, eu gosto de vc. Você não vai falar nada? - Desculpe, mas acho que a senhora ligou errado. ...................................................

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Nadir e Maria João

Nadir era uma criança esperta. Nasceu em meados dos anos 50 e tinha uma curiosidade nata por tudo que via. - o que é isso mamãe? - questionava a todo tempo. A mãe sem tempo algum respondia; - pare de questionar, quantas perguntas! - e saía atrás das galinhas no quintal. Nadir então saía para brincar em outros lugares. Ao contrário do que podemos pensar, Nadir era um menino. Sim. Sua mãe havia lhe dado esse nome em homenagem a uma atriz de teatro que ela tanto admirava. - ela mereceu a homenagem - costumava comentar a velha, que tentou em vão ter uma filha. Nadir era o caçula de seis homens. cresceu com essa estigma de ter que ser bom a todo custo, pra provar pra todos que, apesar do nome, era um homem de verdade. de todos os irmãos, foi o único que estudou. prometeu para o pai. - juro papai. serei alguém. e foi. um grande dentista. casou-se com uma advogada. maria joão. maria joão era uma mulher forte que sempre ganhava as causas que tinha. - nunca fui derrotada - falava sempre. casaram-se apenas no civil. nadir queria uma festa, mas maria joão não. - é um desperdício de dinheiro - bradava. foi então que vieram os filhos. 3 meninas e um menino. - eu não ia desistir de ter um moleque - dizia maria joão. nadir lavava a louça e dizia sempre calmamente> - precisa de mim pra mais alguma coisa maria? - eu mal cheguei em casa, como vou saber? - respondia. e nadir sentava esperando a ordem vir. - arrume isso, conserte aquilo. foi então que um dia surtou. fugiu de casa e demorou 3 dias pra voltar. com raiva e um olhar destruidor disse que jamais aceitaria qualquer ordem. - nunca mais - esbravejava. passava uma semana e tudo voltava a ser igual. um dia, os filhos ficaram de saco cheio e puseram os dois pra conversar. - parem com essas brigas e grosserias, vocês ainda vão se matar! mas eles não ouviam. disseram que era problema deles. Nadir então, além de lavar e cozinhar e seguir ordens, passou a fazer costura. - é para ajudar em casa, deixar tudo prontinho - dizia em voz baixa. foi então que maria joão perdeu uma causa. e voltou para casa sem voz e sem luz. não tinha força nem pra dar uma bronca em nadir. - precisa de algo, bem? maria joão não respondia. tinha tanto ódio no olhar que não respondia. se pegaram no tapa. uma cena horrível. ela deitou a cabeça na mesa de vidro, enquanto os filhos olhavam estarrecidos e gritou: - não aguento mais, não aguento mais! no vizinho a televisão alta anunciava o que estava por vir. - fiquem agora com a novela das oito. boa noite.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

BOLÍVIA

e lá vamos nós. =D
quarta-feira, serginho e eu nos aventurando em Santa Cruz de La Sierra.

terça-feira, 20 de julho de 2010

despedidas

- amor, já vou. eu não respondi. ela pegou a bolsa, enrolou um pouco, procurou algo dentro, olho para mim e disse: - ai, esqueci uma coisa. subiu as escadas correndo, pé ante pé, fazendo barulho com o tamanco, o que me deixava completamente irritado. eu continuei deitado, ouvindo música. mexia no umbigo como quem estava fazendo algo muito importante. na vitrola o vinil do Clube da Esquina N. 2. Meu preferido. "você pega o trem azul, o sol na cabeça..." eu estava deitado olhando para a parede. assim, quase que mudo. quando ela desceu novamente, colocou algo na bolsa e disse, obviamente esperando uma resposta: - amor, vc está me ouvindo? eu já vou. murmurei algo, mas não sorri. nem disse tchau. A Maíra me irritava, sabe? Há tempos que nossa relação não estava boa. bateu a porta e entrou no carro. o portão abriu e eu me debrucei a chorar. copiosamente. se meu pai me visse chorando do jeito que chorava iria dizer com aquela voz rouca: "meninos não choram, guri". - o que é que está acontecendo comigo? - me questionei enquanto limpava as lágrimas na almofada. me questionava o tempo todo sobre a nossa relação, o que eu buscava pra mim e quem era eu naquele amontoado que se tornou nós, afinal, sete anos juntos não era pouca coisa. era uma boa parte da minha vida que eu via escorrendo pelo ralo, indo para um buraco no qual não dava mais pra alcançar e para pegar nada. E a gente teve tanta coisa boa junto, tantos sonhos, nossos gatos, nossos discos e livros. E agora, a coleção de DVD e de livros do Chaves. - O meu preferido é o Seu Madruga - ela dizia enquanto discutíamos o porque da vila só aparecer de um ângulo na televisão. Leventei e fui para nosso escritório, ficava perto da garagem, numa sala bonita e bem iluminada. na estante, quilos de livros, mas principalmente de histórias em quadrinhos. em todos os lançamentos a gente estava junto. - Meu deus do céu, são sete anos juntos. Sete anos! fui guardando os que eram meus. Mas enquanto eu mexia nos livros, fui percebendo que não sabia mais quais eram meus e quais os delas. Compramos juntos também todos aqueles dvds. E a horta que já estava crescendo no quintal, também era nossa. - E quem vai ficar com a horta? - pensei alto. Não tinha porque discutir aquilo agora. Eu tinha que sair logo daquela casa, levar minhas tintas, minhas pinturas, minha mesa que era feita com uma porta antiga. ideia da maíra. - combina com vc, pedro - ela me disse sorrindo - a gente coloca essa porta aqui pra vc pintar. Além da porta, tinha uma parede que estava toda colorida. Era a nossa parede de ideias e sonhos. Tinha a gente na Europa, tinha a gente junto, tinha nossos labradores. Tinha tudo. Só naõ tinha o que procurar mais porque tudo, tudo que estava naquela parede já não era mais meu.nem dela. era desse casal neurótico,ciumento e inseguro que a gente se tornou. acho que nessa vida, nessa busca que a gente teve, acabamos nos perdendo em quem éramos, no que gostávamos. os gostos foram ficando iguais e isso bem que acabou um tanto com a possibilidade de eu ver quem eu era em meio a esse turbilhão, essa paixão eu que sentia por ela. e a paixão é assim mesmo. essa loucura, essa coisa do eu caso com vc, eu te quero pra mim, essa necessidade de posse, de pertencimento. e eu preciso de me afastar disso, eu preciso. é quase como um vício a gente gostar de alguém. e justamente eu, que sempre me protegi disso. - eu nunca vou namorar ninguém. mto menos casar. cá estou eu. tentando tirar a maíra de dentro de mim, da minha mente, dos meus pensamentos.tirei os livros das estante. um a um. coloquei minhas roupas na mala. mas ainda tem muito para tirar daqui. e eu não sei se vou conseguir. o que eu queria mesmo era fazer isso logo, urgente. pra ontem. não quero que ela me veja saindo. não quero ter que me despedir. juntei td sem dobrar, tudo que era meu. escrevi um bilhete. "desculpa". e coloquei em cima da mesa. abri a porta violentamente e voltando meu olhar pra dentro de casa, vi a nossa foto em cima da estante. sorrindo na praia. eu sentado e ela me abraçando. linda. iluminada. peguei minha chave e quando fechei a porta o telefone tocou. - caralho - resmunguei. - alô. ... - é ele. ... - de onde? como assim? ... - já estou indo praí! a maíra se despediu antes de mim. quando cheguei ao hospital, peguei levemente sua mão. - Pedro, eu já vou amor, vc está me ouvindo? fechei os olhos.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mudança de Humor

Pois bem, uma das coisas que eu mais gosto de reparar é no humor das pessoas. Claro, no meu também, oficorse. e olha que muda bastante. Contudo, reparar em como as pessoas se comportam está se tornando pra mim um hábito. Por exemplo, a espera em um banco. Ah, eu chego e delirar. De ódio? Sim, também porque ficar na fila, esperando pra ser atendido ninguém merece. Mas eu creio que não há nada tão rico quanto observar o comportamento das pessoas nos bancos. É quase uma aula. Devido a alguns problemas no trabalho, tenho frequentado um pouco mais o "interior" do banco. Ou seja, algumas vezes tenho que ficar esperando pra sacar, pra depositar, pra alterar a conta e etc. Isso tem ocorrido algumas vezes e confesso que tem sido extremamente rico. Quando eu tenho tempo, claro. Mas mesmo quando estou um tanto sem tempo na hora do almoço, correndo pra lá e pra cá, sentar e esperar pra ser antendida tem me surpreendido. Por exemplo a mulher que fica mau humorada porque o cachorro está no carro enquanto ela está na fila: - Isso é um absurdo! - esbraveja aos quatro ventos, esperando que um olhar lhe confirme, "é mesmo, minha senhora" - Mas como é isso, mudam de banco e fica pior? - falava alto o senhor de sandálias havianas e chapéu. Parece um antro em que as pessoas já entram mau humoradas. ou saem mau humoradas e sem dinheiro. e legal também de observar são os senhores, os mais velhinhos no banco: - filha, leia isso aqui para mim? não consigo ver. em que fila eu vou? filha, como eu coloco esse envelope aqui? é uma judiação. mas agora tenho observado também outras mudanças de humor, no caso, na televisão brasileira. Sempre fui fã de entender o que passa, o que acontece na tv e teve uma época que eu era viciada em "Casseta e Planeta". Achava engraçadíssimo o jeito que os caras tratavam as notícias, o humor sarcástico...Mas vi de novo esses dias e parece que para mim, a fórmula esfriou. Não tem mais graça e é bem estranho de assistir. Aquele humor escrachado da "Praça É Nossa" também fez histórias e revelou muitos talentos, mas o formato também se perdeu. Ficou "surdo" como a própria velha da praça. "Heeein??". Era muito bom. Foi então que no auge na sem gracisse da tv brasileira, surge o "Zorra Total". Inteligência pra que te quero? Melhor mostrar a bunda e os peitos que fazem mais sucessos. Lembro-me quando era criança que assistia a um programa chamado "Chico Total" com o Chico Anísio (claro) e outros que agora se desdobram pra fazer algo no Zorra. Era engraçado porque tinham personagens e contextos também de uma época. E uma crítica velada a algumas coisas políticas. Não me lembro de peitudas e bundudas nesse programa. Vai ver até que tinha. Mas era bem menos. Agora, se não chama a atenção por inteligência, que chame pelo nu. Isso pra mim é subestimar a inteligência de qualquer um. A televisão sempre foi para mim uma fonte de mistério, algo a ser decifrado, porque na realidade, ela nos devorava loucamente. Uma vez uma professora do mestrado deu uma aula sobre isso, explicando a questão da "antropofagia televisiva", o quanto a televisão nos suga e nos engole, engolindo também o nosso próprio tempo. A antropofagia a qual nos falava Oswald, onde o homem engole a si mesmo. No caso aqui, devora a arte e vomita algo pior do que saiu. e dessa forma eu comecei a pensar no processo da mudança de humor na televisão. O que eles usavam antes, no rádio, na tv e no cinema para 'entreter" o telespctador, surge hoje numa revanche, numa reinvenção diária de como buscar salvar a audiência. E muito pouco a inteligência. Vide SuperPop, TVFama e coisas do gênero. Então me pego a observar um programa como o "Pânico na TV", um programa que antes era de rádio e que sim, eu ouvia. Meu, eu ligava o rádio depois do almoço e dava boas risadas com aquela turma toda. E os caras saíram do rádio e reinventaram o humor na TV e trouxeram algo extremamente novo que é a ironia escrachada do riso sobre as celebridades, sobre o cotidiano, com uns caras extremamente talentosos. Mas daí só o talento e o humor não bastava mais, e eis que num (cópia?) outro canal surge o CQC para o delírio da sociedade. Putz, humor, jornalismo, denúncia e ironia num mesmo saco. E os caras foram pro Planalto! E os caras usam propaganda atrás de propaganda e um excesso de tom pastelão. Achei simplesmente fantástico. Isso em uma televisão aberta. E um belo dia me pego zapeando a tv e paro em um programa chamado "Furo MTV". Tá bom, mudou tudo agora, toda a minha concepção novamente. Pessoas extremamente talentosas de um novo gênero de comédia no Brasil, o "Stand UP" importado do modelo (eficaz) americano, apresentam programas como "Furo MTV", "Comédia MTV" e "Quinta Categoria" numa nova possibilidade de ver uma tv, hã, musical. Eu me lembro nos famosos idos dos anos 1990 os clipes da MTV, famosérrimos, delirantes e nos idos dos anos 2000, programas como"Fica Comigo" e "Beija Sapo" marcaram o cenário da emissora, com altos indíces de audiência. Mas os famigerados de agora trazem mais um novo olhar sobre a televisão no Brasil e a necessidade de se reinventar, afinal a mensagem também está no meio. E a MTV parece que percebeu isso a tempo e está sabendo usar a seu favor. Sobre o humor no banco, para finalizar esse texto, (porque se vc leu até aqui, parabéns), não podemos esquecer das mães que levam os filhos e entram na fila de atendimento preferencial. - Fica quieto moleque, vc vai apanhar - dizia hoje uma "delicada" mamãe que entre umas e outras viu o filho pulando três cadeiras e correndo pela porta giratória. Sim, dessa forma não tem humor que aguente. Mas o menino chegou a ficar quieto por alguns instantes. Explico porquê. Enquanto a gente espera para ser atendido por senhores e senhoras sérios e bem vestidos, há uma televisão (no mínimo) ligada em algum canal. Nem sempre interessante, é claro. Hoje estava (é óbvio) ligada em um jogo de futebol. Acredito que percebendo o desespero da mamãe, alguém do banco ligou num canal a cabo de desenho. E não é que o dito moleque ficou quieto? Uma seda. Mudança rápida de humor. Da mãe e do menino.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Café Espacial

Todos devem imaginar que fazer fazer uma revista não é nada fácil. Mesmo quem não trabalha com isso, sabe o suor que dá pensar em cada edição, em cada ideia. Pois bem, estamos há 3 anos fazendo a Café Espacial. Talvez que fazendo não seja a palavra correta. Sergio Chaves, meu grande amigo e companheiro de trabalho, e eu temos ralando e nos virado no 30 pra dar conta da revista, pra não deixar de publicar pelo menos 2 edições por ano. Esse ano, publicaremos 3. E se der certo, 4. Mas também temos nos divertido muito, e principalmente, aprendido muito. Digo isso porque desde a primeira vez que Serginho e eu nos encontamos, fazendo ainda o fanzine Justiça Eterna, as coisas foram tomando novos rumos e novas ideias foram aparecendo, assim como novos amigos, novas colaborações e principalmente, uma grande vontade de fazer cada vez mais e melhor a Café Espacial. Quando fomos indicados pela primeira vez em 2008, a surpresa foi geral: "nossa, mas como assim?" e uma alegria imensa de conhecer tanta gente boa e bacana. A premiação em 2009 veio como uma enxurrada de alegria, entende? puxa vida.... E agora, a indicação em 2010, novamente, nem podemos comentar. É realmente um prazer concorrer com tanta gente bacana. A edição #7 está pronta. A #8 e a #9 praticamente montadas. E a vontade de fazer essa revista não para um minuto. Só queria deixar bem claro a minha admiração pelo Sergio. Dizem que as pessoas não se encontram por acaso, geralmente elas têm algo pra construir juntos. Eu espero que nunca deixemos de trabalhar juntos, porque eu aprendo muito a cada dia com ele e com a revista e se algo está dando certo, claro, é mérito de todo mundo que colabora, ajuda na Café. Mas principalmente é fruto dessa mente inquieta, questionadora e cheia de ideias do Sergio. Estamos muito felizes com a indicação, novamente. Obrigada. www.cafeespacial.com
Café Espacial é indicada ao Troféu HQMix
A revista Café Espacial foi indicada novamente ao maior prêmio de quadrinhos do Brasil: o Troféu HQMix na categoria de Melhor Publicação Independente de grupo. Em 2008, recebeu sua primeira indicação, mas foi em 2009 que conquistou o primeiro troféu. “Para nós é uma grande honra estarmos novamente concorrendo, porque entre tantos trabalhos excelentes do Brasil todo, o nosso recebeu um destaque. Só com a indicação já estamos muito felizes”, ressalta o editor Sergio Chaves, que também foi indicado como Roteirista Revelação. O Troféu HQMIX é considerado o Oscar dos quadrinhos e artes gráficas no Brasil, e esta é a terceira indicação consecutiva da Café Espacial - mérito de todos os seus colaboradores que se destacam nas mais variadas artes do país. A Café Espacial é uma publicação independente que reúne em suas páginas diversas artes, como histórias em quadrinhos, contos, música, fotografia e entrevistas. A revista é fruto de um esforço coletivo, onde os envolvidos colaboram de maneira direta e sem visar o lucro, enfatizando apenas a divulgação da arte. Sérgio Chaves destaca a colaboração de grandes artistas do Brasil e do exterior. A publicação surgiu em outubro de 2007 e até o momento atingiu seis edições, obtendo boas críticas e destaque da mídia. O troféu HQMix acontece em setembro no teatro do Sesc Pompeia, em São Paulo com apresentação de Serginho Groisman. Informações: www.cafeespacial.com e http://www.hqmix.com.br/

terça-feira, 15 de junho de 2010

bicicleta

seis da tarde de uma tarde de inverno. o sol já havia se posto e o que a gente via era uma mistura de um céu claro, mas ao mesmo tempo escuro. há necessidade de acender os faróis, já dizia o velho pai. o carro ia lentamente naquele bairro que sempre foi um bairro tranquilo. uma padaria, um bar, um varejão, dois escritórios. ah sim, uma academia e uma quitanda. além da casa onde se vendia sorvete caseiro. custava cinquenta centavos o sorvete que vinha num saquinho. a gente ficava chupando o sorvete até derreter e formar um suquinho no fundo. um suquinho gelado. era bom. tinha de vários sabores, mas o preferido da criançada era o de groselha. pois bem, bairro tranquilo. nessa época do ano, as árvores já estavam peladas. nenhuma folha. nenhuminha. apenas os galhos balançando de um lado para o outro. as árvores estavam lá desde que nasci. eram grandes e fortes. um pouco diferente de como eu me sentia naquela dia. de como eu estava me sentindo ultimamente. o carro vinha lentamente em direção à padaria do bairro. estacionou, desligou os faróis como o pai já havia lhe dito e olhou fixamente para o carro da frente. não percebeu que atrás, naquele começo de breu, vinha uma criança de bicicleta. sim, daquelas bicicletas antigas, caloi cross. o menino devia ter uns 13 ou 14 anos. mas ainda era bem mirradinho, pequeno. usava um buné para trás e uma blusa preta e branca. ao abrir a porta depois de desligado os faróis, o senhor de 50 anos atingiu o menino que vinha na sua bicicleta antiga, caloi cross. sorte que ao olhar fixamente para o carro da frente se distraiu lembrando de quando o seu pai tinha um jipe e de quando iam juntos à padaria do bairro em que moravam. em marcha lenta, voltado da máquina do tempo, o senhor de 50 anos abriu a porta lentamente. foi a sorte. pegou o menino distraído de raspão. o garoto vinha lentamente pela rua. como não estava claro nem escuro, não estava enchergando direito. voltava da casa da avó. morava com a avó há 1o anos desde que os pais se separaram. nunca mais viu o pai que foi morar em são paulo em busca de uma nova vida. deve ter conseguido. pois bem, o homem de 50 anos pegou o menino de raspão. o garoto se desiquelibrou da bicicleta, mas não chegou a cair. apenas sentiu um aperto no peito e um susto. o homem de 50 anos também. - está tudo bem? se machucou? o menino não respondia. apenas o olhava fixamente. - garoto, por favor, se machucou? como está? me responda. o menino continuou sério, calado. e então que o homem de 50 anos disse: - vamos ao hospital ver se está tudo bem. colocaram a bicicleta no carro. o menino entrou. o carro cheirava a limpeza. o homem de 50 anos estava aposentado e sua maior satisfação era ver o carro limpinho, uma vez por semana. não tinha mais muito o que fazer. fora os afazeres de casa com a mulher com quem era casado há 30 anos. não lembrava mais do que gostava. mas sabia que gostava de ver o carro limpinho. o menino entrou e sentou. colocou o cinco e lembrou de algo que nunca viveu. foram ao hospital. conversaram um pouco. - vc precisa prestar mais atenção por onde anda, garoto. aliás, como é seu nome? - felipe - respondeu calmamente. - felipe, olhe bastante pra andar de bicicleta por aí. o trânsito está muito louco, vc poderia ter se machucado. o menino continuou em silêncio. chegaram ao hospital. chapa, conversa e exame. nada tinha acontecido ao felipe. externamente no caso. porque na verdade ele estava muito excitado com a possibilidade de ter alguém cuidando dele. nunca tinha ido a um hospital. - pronto felipe, está tudo bem. pode ir pra sua casa agora - disse o homem de 50 anos. felipe o olhou como que pedindo algo. e então o homem disse: - quer comer um pastel na feira? quer um sorvete? e lá foram os dois. a bicicleta atrás do carro. - onde mora, felipe? - moro longe. devorou o sorvete e o pastel. tomou a coca-cola como se alguém fosse retirar aquela bebida dele. bebeu rapidamente. tudo. tudinho. não deixou um gole. foram ao carro, pegou a bicicleta caloi cross do banco traseiro. - obrigado - disse felipe. o homem de 50 anos se calou. ficou vendo felipe ir embora. calmamente em direção ao fim da rua. voltou ao carro e se lembrou que não havia avisado a esposa. que não havia comprado o pão. voltou à padaria. felipe andava agora procurando algum outro homem distraído que abrisse a porta do carro e o acertasse em cheio. queria ir para o hospital de novo. naquele dia, a distração é que felipe estava indo para a praça tocar gaita. havia esquecido a gaita no carro do homem de 50 anos. na semana seguinte, ao limpar o carro, o homem encontrou a gaita. e foi até a padaria novamente. comprar pão e queijo. tinham visita em casa. felipe recebeu uma ligação de seu pai dizendo que estava na cidade. pensou: dessa vez, acho que consigo ganhar um pastel do meu pai. os faróis do ônibus em que seu pai chegou estavam desligados. era um fim de tarde. não estava claro e nem escuro.

sábado, 12 de junho de 2010

os espaços do silêncio

embora escrever não seja uma parada nada fácil, tenho me esforçado a pensar que sim, é a nossa válvula de escape. está bem, a minha no caso. porque eu não sei desenhar, nem cantar, nem pintar nem nada dessas artes todas. eu sei escrever e nem sei porque escrevo. mas sei que toda vez que algo sai pelas letrinhas da tela do computador, um pedacinho de mim tb escapa, como que querendo ficar pra sempre, fazer parte. estancar. se bem que muitas vezes penso nessa questão do "fazer parte". sim. estou aí, emaranhada em informações, debulhando ideias como quem está fazendo farinha para o pão, pra ver assar aquela massa toda, pra ver ficar bom. pra "fazer parte" de um novo processo de mundo, de realidade. e essa realidade que anda me permeando, não sei a todos, mas a mim sim, é uma realidade estancada de informação. não que as informações estejam paradas. nada disso. mas são tantas que não se movem. apenas gritam ao esmo. a todos os lugares. e eu estou repleta de silêncio. um silêncio interno, entende? numa busca incessante por compreender o que tem ocorrido comigo, com as pessoas, com o mundo. uma observação direta de uma realidade refletida. na fala do oswaldinho durante a mostra de cinema, ele falou justamente disso: da necessidade de se reaprender a pensar. a pensar em silêncio. a ouvir o silêncio. a se ouvir. a temperatura anda bem baixa esses tempos, um frio colorido, de luzes diversificadas que refletem a confusão de uma humanidade que nem ao menos tem tempo mais de ver o pôr do sol. de ouvir o som do vento. do silêncio. mas o pior é constatar que o silêncio nem sempre acontece na ausência do som. não. o silêncio acontece muitas vezes em uma avenida, no meio de uma avenida. como a paulista por exemplo. falar de são paulo nesse sentido é quase uma ironia: como assim o silêncio existe lá? interessante. mas é verdade. quando nos encontramos a nós mesmos, seja no meio de uma fazenda deserta ou no meio da paulista, o silêncio se faz presente. a questão principal é buscar isso, buscar esse silêncio interno, o espaço dele dentro ou fora da gente. e ele cabe, perfeitamente. num olhar, num gesto, numa forma de tocar ou mesmo de não falar. porque não há coisa melhor na vida do que vc poder ficar em silêncio com quem vc ama. no conforto do silêncio. onde ele cabe de melhor. ou até mesmo na arte. na nossa forma de nos expressarmos, de olharmos a nossa realidade, o nosso eu. e principalmente o outro. a dor e a alegria do outro. o silêncio do sono merecido, do choro não interrompido. do abraço demorado. de olho fechado e em silêncio....

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Passagens

dib lufti, eu e sergio ricardo
dib lufti, o maior câmera do cinema novo: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. dib contou curiosidades sobre glauber rocha. como o fato de ficar segurando o braço dele enquanto dib filmava.... "ô glauber, solta o meu braço senão não filmo direito..."
rodrigo grota e dib lufti durante palestra sobre o cinema novo
dib lufti assinando o livro histórico do Clube de Cinema rodrigo grota, dib lufti, sergio ricardo e oswaldo mendes durante coletiva de imprensa no gabinete do prefeito. o prefeito não estava. sergio ricardo e dib lufti em frente ao sobrado onde morávam na rua são luís, que agora, graças a preservação do patrimônio público da cidade, virou sorveteria... a porta ainda é a mesma e é original... "sei que pra vcs não faze mto sentido" , disse o sergio ricardo referindo-se a mim e a milena, "mas pra mim, esse sobrado está gritando de tanta história...." pra mim fazia um sentido danado. pra milena tb.
dib e sergio com o cartaz do filme de sergio ricardo "esse mundo é meu" no acervo (que está tentando se levantar) do Clube de Cinema de Marília oswaldinho e eu no lançamento do livro "bendito maldito"
Pois então que marília ferveu culturalmente na duas últimas semanas. digo isso com algumas ressalvas, é claro. Primeiro ocorreu por essas bandas a virada cultural. estou um tanto refletindo sobre isso ainda porque acredito que a virada cultural perdeu um tanto o seu sentido. banalizaram, carnavalizou-se o que poderíamos chamar de "cultura". muito bem. 24 horas de diversão. só isso. pão e circo. nada mais. era tanta coisa junto, tanto evento que não havia tempo hábil pra curtir tudo, muito menos pra conversar com os artistas e pedir referências. "de graça cultura pra vcs durante 24 horas uma vez por ano. não reclamem". me senti uma cidadã enganada. indignada na verdade. mas o que gostei foi que veio para marília a exposição da "história das histórias em quadrinhos". puxa vida. algo inédito pra uma cidade como a nossa. e o chacal que fez um baita recital de poesia. passamos um tempo conversando. ele é realmente um grande artista. marginalizado, é claro. no domingo, paralamas do sucesso. tá. legal. mas o que contou mesmo foi que no show do canastra o baterista foi o rodrigo barba. aí sim. rs contudo, estive conversando um bom tempo com a celinha, que é professora aqui na unesp sobre essa proposta da virada. e sabe de uma coisa: realmente, perdeu-se o sentido. banalizaou-se um evento que poderia ser considerado viceral para uma sociedade. não dá tempo, assim como a nossa vida, não dá tempo. ficou tipo um "bolsa da alegria". 24 horas pra fazer miséria. contudo, o pouco que eu vi, eu gostei. chacal e exposição. do resto, não deu tempo. também não fiz questão. estava mto ocupada pensando... mostra de cinema. e então que o trabalho aqui na Tarsila enlouqueceu. rs recebemos aqui no espaço e no cine esmeralda a 3mostra de cinema da cidade. encabeçada pelo rodrigo grota. com o bruno gehring, o anderson e o du reginato. e mais uma galera. rapaz, vou te falar. a milena e eu aqui trampamos um monte, mas recebemos um presente maravilhoso. fizemos, acredito, parte da história. sim. porque não é todo dia que podemos ficar trocando ideias com sergio ricardo, dib lufti e oswaldo mendes. não é mesmo. e olha, vou te falar. foi bacanérrimo. primeiro pq tivemos a oportunidade de ficar com esses caras dois dias inteiros discutindo cinema, literatura e música. segundo porque foi um momento realmente histórico pra cidade. o oswaldinho fez uma palestra sobre a diferença entre a arte e a cultura que certamente mexeu no ego de muita gente. além de falar maravilhosamente sobre plínio marcos. e o dib, nossa, altas histórias sobre o glauber rocha. e o sergio ricardo criticando quem acha que a única coisa boa que ele fez foi quebrar o violão no festival musical. tsc tsc. o mais interessante foi levar o dib e o sergio na casa em que eles moraram aqui em marília. e ver que sim, o cinema ainda vale a pena. o cine esmeralda ficou cheio. o cinema ficou cheio. e as ideias corriam aos montes. a arte sempre vale a pena. o que me causou um certo estranhamento foi a ausência massiva do pessoal que trabalha com cultura nessa cidade. quer dizer, já era de se esperar, mas eu ainda tinha fé de que o povo acordasse sabe? putz, uma mostra de cinema como essa? mas enfins. nada que me espante. só estranheza mesmo. dib lufti, sergio ricardo e oswaldo mendes são marilenses. famosos no cenário nacional e mundial da arte. o que me leva a crer que somente a arte em si, como forma de identificação de um povo, pode realmente fazer com que esse pertença a um lugar e creia que esse lugar pode sim, melhorar. receberam a placa de visitantes ilustres de um governo que nem ao menos tem noção da importãncia histórica desses caras. e eles não deixaram por menos: "não somos visitantes. nem ilustres. somos marilienses". o mundo precisa dessas ousadias.

domingo, 25 de abril de 2010

letra e música

Fred Martins
NOVAMENTE (Fred Martins/Alexandre Lemos) Me disse vai embora, eu não fui Você não dá valor ao que possui Enquanto sofre, o coração intui Que ao mesmo tempo que magoa o tempo O tempo flui E assim o sangue corre em cada veia O vento brinca com os grãos de areia Poetas cortejando a branca luz E ao mesmo tempo que machuca o tempo me passeia Quem sabe o que se dá em mim? Quem sabe o que será de nós? O tempo que antecipa o fim Também desata os nós Quem sabe soletrar adeus Sem lágrimas, nenhuma dor Os pássaros atrás do sol As dunas de poeira O céu de anil no pólo sul A dinamite no paiol Não há limite no anormal É que nem sempre o amor É tão azul
Esse final de semana eu tive o prazer de conhecer o Fred Martins, o compositor de várias músicas que adoro. ele veio fazer um show no Sesi. A chuva não me atrapalhou de ir. No final do show, comprei o CD e é óbvio, autógrafo. rs
só que fui a última pessoa a conversar com ele. não tinha mais ninguém no salão. Conversamos por algum tempo, sobre as coisas da vida, os amores, as dores, a política e a sociedade.
o fred é um cara inteligentíssimo e realmente, animou meu dia. ou minha noite no caso. as coisas estão um tanto confusas. ou bastante. ainda não sei.
o estranho é achar que as coisas devem ser normais. ou têm que ser.
- normal.
não, pra mim não é não.
"Quem sabe soletrar adeus / Sem lágrimas, nenhuma dor"?
cara, eu não sei. mesmo.

sábado, 3 de abril de 2010

Paralelepípedos

Conhecem aquela música do desenho animado "A Pequena Sereia" que se chama "Aqui no mar"? então aí vai a letra:
O fruto do meu vizinho
Parece melhor que o meu
Seu sonho de ir lá em cima
Eu creio que é engano seu
Você tem aqui no fundo
Conforto até demais
É tão belo o nosso mundo
O que é que você quer mais?
(every body) Onde eu nasci, onde eu cresci
É mais molhado
eu sou vidrado por tudo aqui
Lá se trabalha o dia inteiro
Lá são escravos do dinheiro
A vida é boa, eu vivo à toa
Onde eu nasci
Marilia é a cidade onde eu nasci e cresci. Já morei em outras cidades também, mas voltei para cá. Esses dias eu ouvi uma frase que me assustou: quando a gente sai da terra da gente e volta, é porque a gente nunca saiu.
Pois é, acho que nunca saí daqui mesmo. E o pior é que sempre acreditei que Marília pudesse ser uma cidade bacana mesmo, que pudesse crescer, se desenvolver, trazer cultura e educação para a população.
Ledo engano.
Ando um tanto quanto desolada dessa cidade há algum tempo, apesar de estar lutando a cada dia para trazer coisas boas, para melhorar. Mas não sei, alguma coisa muito provinciana tomou conta desse lugar aqui. Uma massa de falta de vontade, de animação muito grande. Pessoas que literalmente "empacam" qualquer possibilidade de desenvolvimento. Dizem: "mas ah, sair de Marília? aqui é tudo tão tranquilo, tão bom". Pois é, e é isso mesmo que me irrita.
Moro no mesmo bairro onde nasci. Tenho fotos de criança onde haviam casas antigas, ipês que brotavam flores coloridas, tudo na hora certa. E era tudo tão distante do centro...
Meu bairro agora está infernalmente lotado. Shoppings, lojas de madames e etc. Onde antes eu via uma paisagem imensa de café, de plantação de café, agora vejo máquinas e máquinas construindo cada vez mais, casas e casas. Fechadas. Cheias de porteiros eletrônicos.
Estão destruindo as casas antigas pra fazer lojas. Destruindo. Pouco a pouco a história da minha cidade que está se perdendo. O Cine Peduti virou estacionamento, o Cine Marília, banco, o Cine São Luís igreja. O teatro está fechado há dois anos. Foi construído um mini shopping do lado de um teatro que está caindo aos pedaços. O hotel São Bento, um dos primeiros da cidade, virou banco.
e hoje, debaixo de uma chuva imensa, percebi que os buracos por toda a cidade escondem auma história: está à mostra todos os paralelepípedos das ruas. Ruas antigas, bonitas, que davam para grandes espaços.
Asfaltadas, mal alfatadas no caso. Agora estão mal cuidadas.
Asssim como nós mesmos mal nos cuidamos. Da nossa saúde, dos nossos amigos, da nossa família. Estive doente esses tempos e sei que é porque dentro da gente também tem história. E das boas.
E com medo evitamos nos analisar, nos encontrar, ver esses "paralelepípedos" que nos impendem de criar novas possibilidades de vida, de espaço.
Sim, "você tem aqui no fundo, conforto até demais". E isso me irrita.
"onde eu nasci, onde eu cresci é mais molhado".
A chuva não está me deixando ver outra coisa. mesmo porque, quando faz aquele sol lindo das cinco da tarde, aquela luz perfeita, o que enxergo é uma falta de cuidado imensa pela história da minha cidade. Pelas praças, pelos brinquedos.
Está tudo tão mudado que naõ estou reconhecendo mais nada. E muitas vezes nem a mim mesma.
Guimarães estava certo, "viver é perigoso" e Cazuza também "morrer não dói".
o que dói é viver e ver que há tanto tempo quem deveria olhar para essa cidade não olha. Os paralelepípedos são as feridas da história a mostra. O tempo todo. dizendo: "humanos estúpidos, o que vocês têm feito da história de vocês?"
Progresso. Ordem e progresso.
Esqueçam a história. Até mesmo as nossas.