quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pão e Circo - por Oswaldo Mendes

bom, o que me dá alegria é saber que muitas vezes quando quero me expressar e não consigo, eu acabo conhecendo alguém que faz isso melhor do que ninguém. Oswaldinho Mendes, meu amigo fez (pra variar) um belíssimo texto sobre a questão Cultural e da Arte no nosso mísero e pequeno país. (com mínuscula país, por favor). E estamos falando de Brasil, mas aqui, nesse sertão cultural que nos assola chamada Marília, o que me dá deveras vergonha é saber que existem artistas fantásticos como o Sr. Aloísio Dias, pintor premiadíssimo, o pessoal da Cia Móbiles com a peça brutal e visceral "Brutas Flores", Luca Bernar e seu Jazz e tantos outros vagando por uma cidade que parece que se esqueceu de olhar para si mesma e para sua arte e cultura. E dá-lhe virada cultural e apresentações de Stand- Up. Me diga, o que identifica um povo, além de seu idioma? A sua arte. Aqui na minha cidade o que identifica é o Miss Marília. Lamentável. Lamentável. Segue o texto. O Oswaldinho é mestre. Eu estou só no aprendizado. Ainda.
Farinha pouca, meu pirão primeiro Oswaldo Mendes Do coletivo teatral que conseguirá pagar o imóvel alugado graças ao programa de fomento da Prefeitura de São Paulo, ao grupo da pequena e longínqua cidade agraciado por um dos Pontos de Cultura do governo federal, sem esquecer os municípios que se agitam com as periódicas viradas culturais do governo paulista, estamos todos satisfeitos. Para quem se acostumou a viver, nos últimos tempos, da mão pra boca, não há do que reclamar. Talvez seja por isso que, na recente campanha eleitoral, a palavra Cultura sequer tenha sido pronunciada, menos ainda discutida, por nenhum candidato a qualquer cargo. E não faltaram pagodeiros, palhaços, atores, sambistas e outras celebridades de calibres diferentes apresentando-se aos eleitores.
Nem os candidatos que em sua biografia lembram, quando oportuno, terem alimentado veleidades artísticas na juventude e os que ainda hoje cometem versos apaixonados ousaram tocar no assunto. Por quê? Simples. Vai tudo muito bem e quem se queixa é porque ainda não chegou a sua vez de ouvir tilintar no pires as moedas redentoras. Basta um pouco de paciência. Quem sobreviver terá seus trocados. Alegrem-se, pois há bolsas para todos. Até para os entretenimentos chiques, ou megaeventos musicais, dançantes, circenses, visuais, plásticos, gráficos, cibernéticos, literários, cinematográficos e teatrais – sem esquecer as feiras de uva ou de gado – aos quais bancos, financeiras ou empresas de grande porte, nacionais ou multinacionais, destinam os seus patrocínios sob as bênçãos da Receita Federal e do bolso dos contribuintes. O pão para o circo, enfim, está garantido. Lamentar, quem há de? Talvez a Civilização e as gerações futuras, mas por enquanto elas não têm direito a voz nem voto, pois a barbárie fashion venceu e dá as cartas como nunca antes na história deste País, para recorrer à máxima irresistível dos nossos novos descobridores que singram suas caravelas neste deserto de ideias, à esquerda e à direita.
A ausência da Cultura (maiúscula, por favor) em todos os palanques reflete em primeira e última instância a ausência do Pensamento e, com ele, das ideias, que foram substituídas por receituários, apresentados pelos candidatos como panaceias (que mais parecem placebos) para as urgências cotidianas da população. Esse vazio de ideias se observa, e não só no período eleitoral, na maioria das organizações sociais e políticas, partidos à frente. Fala-se da despolitização dos cidadãos anônimos, como se ela não tivesse atingido a todos. Mesmo quando grupos de ilustres cidadãos se manifestam, o que está em pauta é o varejo da Política, seja o alerta encabeçado por D. Paulo Evaristo, sobre a ostensiva presença de Lula na campanha de sua candidata, seja a réplica de juristas liderada por Márcio Thomaz Bastos, considerando justo que o Presidente faça tudo o que faz. Cabeças coroadas que já estiveram juntas em outros e mais nobres embates, agora preferem divergir sobre circunstâncias, ainda que se reconheça a legitimidade de suas motivações atuais. Mas o que elas fizeram não foi senão reforçar a prática de caminhar olhando para a ponta dos pés, abdicando de um debate que exercite o Pensamento e seja capaz de refletir sobre ideias que possam apontar para além dos acertos e mazelas do momento. Esse é o resultado mais perverso do continuado processo de despolitização da vida brasileira, do qual nem artistas e intelectuais escaparam ao longo das últimas décadas. Também nos palcos e nas telas, sobra pouco espaço para ideias. Venceu ali, como no resto do país, o entretenimento. Eventuais exceções não contam. Há que sobreviver, argumentamos como desculpa acanhada. Como se a sobrevivência fosse o objetivo de quem acredita na Arte como valor a ser perseguido. Há formas menos envergonhadas e mais dignas de “sobreviver”.
Criou-se assim o círculo da barbárie. Se a Cultura esteve (e continua agora no segundo turno) ausente das eleições e dos discursos de todos os candidatos é porque, talvez, os que a representam também abdicaram de promovê-la. Preferem as políticas de resultado, que lhes garantam sobreviver com fomentos, viradas e pontos de cultura (em minúscula mesmo) e CEUs que apontam para lugar nenhum. Não há preocupação em refletir a respeito, nem mesmo na imprensa, que se limita a promover o nada, refém de uma invisível “indústria cultural” que pauta os seus interesses, ou, quando a consciência lhe pesa, encastela-se num iluminismo tardio. Ninguém, na imprensa ou fora dela, se espantou quando um secretário da Cultura recentemente proclamou aliviado que a sua pasta não tem nada a ver com a Educação. Não tem mesmo, na lógica dos nossos (des) governantes e dos seus sucessores. Nem a Educação tem coisa alguma a ver com a Cultura. Vigora a lei do cada um por si e o diabo para todos. Só nos resta esperar que haja Unidades de Polícias Pacificadoras para todos.
O autor, Oswaldo Mendes, é ator, diretor de teatro e dramaturgo, autor de “Bendito maldito – Uma biografia de Plínio Marcos” (Editora Leya), prêmio Jabuti 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Monólogo de Segismundo

Assisti ontem uma parte do filme 'Tempos de Paz". Não tenho como fazer considerações acerca do filme todo, apenas da parte que me cabe neste extraordiánário cinema. Porque sem sombra de dúvidas, um filme que tem Tony Ramos e o genial Dan Stulbach não pode deixar de ser visto. Mais pelo Dan do que pelo Tony. "Tempos de Paz" é uma homenagem justa aos que deixaram esse país mais rico culturalmente quando foram forçosamente exilados de sua terra, no caso do filme, da Polônia. Pois bem, parei para assistir esse filme quase no final quando o personagem de Tony diz que dará o salvo-conduto para o personagem de Dan caso ele lhe faça chorar com sua arte, que é ser ator. E em uma cena quase final belíssima onde os atores se jogam na emoção, principalmente Dan, um poema é recitado: "Monólogo de Segismundo". Vou reproduzí-lo aqui nas partes principais, ou as que mais me tocaram, e quando eu assistir o filme todo comento melhor. E vou reproduzí-lo também pelo fato de que esse monólogo transmite como estamos presos nessa suposta liberdade que achamos que temos. Eu não tenho liberdade alguma. Muitas vezes nem de ser eu mesma. A minha única liberdade é interna e são os meus pensamentos. Do resto, só falta me acorrentar.
Monologo de Segismundo
..... Nasce a ave, e com as graças que lhe dão beleza suma, apenas é flor de pluma, ou ramalhete com asas, quando as etéreas plagas corta com velocidade, negando-se à piedadedo ninho que deixa em calma: só eu, que tenho mais alma, tenho menos liberdade? Nasce a fera, e com a pele que desenham manchas belas, apenas signo é de estrelas graças ao douto pincel, quando atrevida e cruel, a humana necessidadelhe ensina a ter crueldade, monstro de seu labirinto: só eu, com melhor instinto, tenho menos liberdade? Nasce o peixe, e não respira, aborto de ovas e lamas, e apenas baixel de escamaspor sobre as ondas se mira, quando a toda a parte gira, num medir da imensidade co'a tanta capacidadeque lhe dá o centro frio: só eu, com mais alvedrio,tenho menos liberdade? Nasce o arroio, uma cobra que entre as flores se desata, e apenas, serpe de prata, por entre as flores se desdobra, já, cantor, celebra a obra da natura em piedade que lhe dá a majestadedo campo aberto à descida: só eu que tenho mais vida,tenho menos liberdade?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

o excesso

Uma das coisas que mais tem me consumido esses últimos tempos é o excesso. Estou num excesso de ideias, está além do que eu previa. está além também a minha falta de tempo comigo, a minha falta de reflexão interna para dar conta do externo. eu precisava de um tempo em um lugar em silêncio, longe desse excesso de dias e de horas que atacam o meu cotidiano. e o que me cansa é o excesso de gente, o excesso de alegria e de tristeza que paira onde estamos quando a nossa cabeça também pede um tempo. a falta de comprometimento em ser apenas, em ser. "felicidades", "fique bem". enfim. nada disso mais tem surtido efeito. quando me dou conta parece que tenho feito tudo no impulso do momento, da falta de olhar para mim mesma. estou grudada na rotina. e esses dias o que tem me acalmado é o barulho do vento, o cheiro da chuva, a luz do começo do dia. quero ver os pingos de chuva em câmera lenta e ver que o vento faz as plantas dançarem calmente onde sempre estiveram, me alertando que basta abrir meus olhos para que as coisas funcionem de outra maneira, com outra perspectiva. o meu olhar para dentro de mim está me fazendo uma grande falta. está tudo em excesso: meus pensamentos, minhas dores e amores e minhas saudades de algo que ainda nem vivi e daquilo que vivi com tanta intensidade. e em excesso também está o meu medo.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A Frente Fria que a Chuva Traz

Cena da peça: A Frente Fria que a Chuva Traz
A genial e visceral Fernanda D'Umbra em cena como a divina Amsterdã
Fernanda e Mário Bortolotto
O nome desse post bem que poderia ser atribuído ao que vive em São Paulo na última semana. Choveu. Choveu muito. E entre uma chuva e outra, um vento frio se acumulava nas esquinas da Augusta. E eu senti frio também. Muito frio.
Claro que agora será um tanto difícil para mim escrever tudo que vi e vivi esses quatro dias que fiquei lá. Sempre volto de São Paulo triste e feliz ao mesmo tempo. Um paradoxo, é claro, como tem sido a minha vida.
Volto triste de ter que deixar para trás aqueles litros que cultura que impregnam na minha alma quando estou lá. Raramente consigo dormir bem e muito. Quero aproveitar tudo como se restasse apenas um gole. O último gole. E volto para cá, para a cidade onde nasci e vejo que lamentávelmente estou ilhada nas minhas ideias e vontades.
Enfim, por isso eu volto triste. E também volto feliz porque as coisas que vejo, assisto e ouço alimentam a minha alma de vontades e expectativas. Me fazem ver que posso me sentir viva, dolorida no choro compulsivo em uma exposição sobre o câncer de mama belíssima e aterrorisada com o filme canadense "eu matei minha mãe" (isso é para um outro post) e delirando com a peça genial do Bortolotto que assisti no Centro Cultural Vergueiro por míseros cinco mangos.
Pois bem, achei aqui vários textos que discorriam sobre o intitulado teatro. Mas não vou reproduzí-los. Eu gostaria porque são textos maravilhosos que fazem jus ao que podemos chamar de teatro verdadeiro, que toca, o teatro real mesmo.
Mas eu estaria me enganando reproduzindo-os aqui. Sim, porque o que eu quero falar aqui não é uma crítica da peça, porque não tenho competência alguma para isso. O que eu quero falar aqui é que essa peça Bortolotto encenada nos porões do Centro Cultural devia ser vista por todos.
Esqueminha básico para todos entenderem: há uma festa em uma lage numa favela bancada por dois playboys movimentadas a drogas, sexo e bebidas. Bortolotto faz o papel de Vítor, o porteiro fechadão e Fernanda D'Umbra de Amsterdã, a mais porra louca de todos.
Bortolotto quase não fala, apenas anda de um lugar para outro e olha com um olhar daqueles que só os grandes mestres podem fazer me cena. Fernanda ao contrário fala pra caralho, e se mostra monstruosa em suas falas, textos e ações de uma drogada sem rumo em busca do amor, ou da aceitação ou negação de si.
Contudo, enquanto eu via a peça me vinha a cabeça: caraca, esse cara quase morreu esses tempos e está aí, em pé, fazendo arte. E vendo a Fernanda eu pensava: genial. simplesmente isso, genial.
A cena em que ficam apenas os dois no palco eu posso reproduzir para mim como a mais especial: ela em um canto da lage, ele, Vítor o porteiro em outro e ela abaixada, sentada, falando sem parar sobre a necessidade de mudança de vida. De repente abaixa a cabeça e diz:
- a única coisa que que queria é que alguém me alisasse, dissesse que vai ficar tudo bem.
Vítor se aproxima e não consegue tocá-la.
tá, eu contando vcs me dizem: ahã. e daí?
e daí que é lindo. é cinema, é literatura e é teatro junto. Sabe porquê? porque mexe com aquilo de mais íntimo nosso: a necessidade do outro para sobreviver. nem que seja de um olhar.
que podemos encontrar na família quando temos uma, nos amigos e até mesmo em um porteiro.
"A Frente Fria que a Chuva Traz" é arrebatador. Nos coloca na situação de miseráveis, de vermes de uma situação a que somos convenientes: a situação de lavarmos nossa mão e dizermos "não tenho nada com isso".
Tem sim. tem muito a ver com isso. Com a situação desastrosa que está a sua própria vida. Você faz o que gosta? ou se questione simplesmente: está feliz? hã? me diga!
Terminou a peça e eu não conseguia parar de aplaudir. Fiquei sentada e a única coisa que queria era dar um abraço no Mário e na Fernanda.
Eu não consegui. Eles são super acessíveis. Mas eu não consegui. Quando estou frente a frente com esses caras que são tão grandes eu me convenço mais ainda de como sou pequena. A única coisa que consegui fazer foi fechar meus olhos e agradecer. Por estar ali, por ver a peça e por sentir o tanto que ainda tenho que viver e aprender.
Estava frio. Muito frio na saída. Tinha chovido...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O que é transgredir?

Pois bem, há tempos queria discutir algo aqui nesse blog, na verdade, acho que comigo mesmo. Sim, porque tudo que escrevemos ou discutimos é nosso próprio reflexão, não é não? Mas não é disso que quero falar. O contexto é: observação. e uma coisa que gosto é de observar o comportamento das pessoas. e confesso: estou assustadíssima. tenho feito algumas coisas do sentido de transgredir. e aí vocês me perguntam: como assim? pintar o cabelo de verde? arrotar na cara de um velhinho? deixar um cego tropeçar por minha causa? o que é transgredir numa sociedade como a nossa? pra mim só tem uma resposta: respeitar. nada mais choca as pessoas. a pobreza, a miséria, o medo. está tudo muito "normal", de norma mesmo, do sentido de ser certo agir de determinadas maneiras. por exemplo: é normal parar no pare e dar espaço para o pedestre. certo? errado. o normal é você nem olhar na cara do sujeito e ir com o carro o mais rápido que puder. e eu faço de propósito, fico olhando quando estou à pé para a cara do motorista. ontem observei dez carros passarem na minha frente e eu parada no pare e ninguém, NINGUÉM parou. então, para transgredir, eu paro o carro no pare e dou licença para o pedestre. alguns não acreditam. passam correndo desconfiados e com medo. mas eu paro. a carol bensimon escreveu sobre isso hoje no twitter e eu pensei: caramba, não é por acaso então. fui até a rodoviária mega super faturada da cidade e na fila da passagem estava um rapaz da minha época de adolescente. eu me lembro dele das festas. era o mais bonito, o mais bonito mesmo. pois bem, estava na fila hoje, na minha frente. se achando alucinadamente, o que não me deixou nem um pouco constrangida. se achando não sei porque, mas estava. mas enfim. antes dele um senhor estava sendo atendido e nisso chegou um senhor mais velhinho ainda, com três sacolas na mão para perguntar uma informação para a atendente. nem a atendente nem o senhor deram espaço para o velhinho. ninguém. aquilo foi mexendo comigo de um jeito estranho. pensei: "caralho, que esse moço bonito dê espaço para o velhinho". não. ele chegou para ser atendido, olhou com aquela cara para o velhinho e não dava espaço para o pobre. nem ele e nem a atendente. aquilo foi me subindo de um jeito louco, mas que coisa! será que as pessoas esqueceram de se enxergar? acredito que sim. a transgressão agora está em pedir desculpa, muito obrigada, sorrir e dar lugar na fila para as pessoas mais velhas. a transgressão agora está em cumprir o que prometeu, em fazer o melhor possível, em ser ético, em ser honesto. os valores são outros e eu realmente me preocupo com o mundo que vai ficar aí para depois. ou melhor, para agora. as pessoas desaprenderam a olhar para o lado. o umbigo e o eu é o que conta. nada de perguntar: "como você está?". nada de dizer: "se precisar, estou aqui". melhor transgredir. o mundo já está osso demais.