terça-feira, 26 de julho de 2011

O bilhete premiado

O homem se chamava José Pereira da Silva Filho, mas era conhecido por Pereirinha.
Pereirinha tinha lá seus 50 e poucos anos. Trabalhava num disque entrega. Aliás, em um não, trabalhava para vários estabelecimentos comerciais da cidade, da pequena cidade, onde morava.
Pereirinha não era o que podemos chamar de um homem bonito. Tinha um bom coração, era uma pessoa boa, daquelas que a gente percebe pelo olhar sabe? Mas não era exatamente um homem bonito. Nem muito agradável.
Se você desse trela, ele ficava horas no portão da sua casa contando das bandas de rock com as quais ele já tocou e fez turnê. Tudo uma mentira, é claro. Mas era legal incentivar o Pereirinha no seu próprio mundo da imaginação.
- Sabe que eu já fui baterista? É. de banda grande. Você nem imagina.
E lá ia o Pereirinha contar a história.
Contudo, Pereirinha era um homem solitário. Triste sabe? Morava com o pai doente. A mãe já tinha morrido há alguns anos.
Ele sentia muito a falta de uma namorada.
- Eu já tive várias namoradas, mas eu gosto de ficar assim do jeito que estou agora, na paz do nosso Senhor.
E lá ia ele para ele mesmo justificar a solidão.
Contudo, um dia Pereirinha teve uma ideia: o pai havia acabado de falecer, tinha isso uns dois meses. Deixara de herança para Pereirinha a casa e o imóvel do galpão, alugado agora para casa de ferragens.
Pereirinha então pensou, pensou e resolveu fazer algo até então inusitado para aqueles 50 anos: botou um anúncio no jornal e outro no rádio dizendo:

"homem bonito procura namorada. tenho boa aparência, amigos e um pouco dinheiro. procuro mulher acima dos 40, em forma e que queria dividir um teto com um homem romântico, sensível, porém, simples. sou um homem simples".

Mulheres da pequena cidade onde ele vivia e região se aglomeraram em frente à rádio e ao jornal, enlouquecidas atrás de um amor de verdade, atrás do mito Pereirinha.
Então que o pobre homem se esbaldou com as mulheres: loiras, morenas, japonesas, altas, gordas, magras. Pereirinha podia agora escolher.
Fez uma seleção: a mais cheirosa ganharia seu coração. Chamou as "meninas" para irem a sua casa e uma a uma ia cheirando o cangotinho.
Num gesto de amor e carinho, oferecia para as "moças" bombons por terem vindo.
Contudo, Pereirinha comeu todas as moças, transou com todas porque dizia que tinha que experimentar. O irmão mais velho de Pereirinha descobriu a algazarra do irmão, e devoto de São Sebastião, rezou um terço, colocou um copo de água pra benzer no rádio na oração da manhã e pediu a Deus que iluminasse a cabeça do pobre Pereirinha.
Chegou de surpresa um dia na casa de Pereirinha, só para pegá-lo no flagra:
- O que é isso, Pereirinha? Que bagunça é essa?
- Ganhei na loteria meu irmão! Bilhete premiado!
E saiu para o quarto com as gêmeas de 40 anos, que tinham os cabelos tingidos de loiro descolorado e usavam brincos gigantes azuis comprados na loja do 1,99.
As meninas pareciam estar ali, por, hã, amor ao Pereirinha, esse homem simples que naquela noite abusara no charme, passando creme rinse no cabelo e loção Phebo.
Pereirinha queria arrasar mesmo.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Três Sombras

Louis, Lise e Joachim. Três nomes, uma história.
O livro "Três Sombras" (Quadrinhos na Cia, 2011) me chamou a atenção pelas belas imagens e pela história que passa não apenas pelos medos das personagens, mas que pelo que temos ainda de humanidade.
Louis e Lise vivem muito bem, afastados do mundo, numa casinha, que podemos chamar de "sapê" com o filhinho Joachim, um menino fofo, querido e alegre de cinco aninhos mais ou menos.
Amado pelos pais, Joachim passa os dias brincando pelas matas e com os animais. Até que um dia, antes de dormir, Joachim chama os pais e pergunta:
- Mãe, o que é aquilo ali?
Ao olharem pela janela, os três enxergam, ao longe, na colina, três sombras. Essas três imagens voltam todas as noites assustando e tirando a paz de toda a familia. A mãe, como toda boa mãe, tem uma visão e uma percepção e sai em busca de respostas.
Quando descobre que as três sombras vieram buscar Joachim, ela começa a se preparar para o morte do menino, mas o Louis, desesperado, parte em uma saga na tentativa de salvar o filho que passa por todos os nossos medos.
Ele atravessa o rio, enfrenta tempestades bandidos e tudo para que Joachim seja salvo. Mas o que ele não espera é que quem irá salvá-lo será o próprio Joachim.
Nessa busca toda, pai e filho vão se conhecendo, se reconhecendo e se amando desembocando num final surpreendente e lindo, digno de toda bela história.
A HQ poderia muito bem ser chamada de "A Outra Margem do Rio" que, numa paráfrase do grande Guimarães, atenta para nós que a viagem começa no interior, no nosso interior quando enfrentamos nossos piores medos nos colocamos dispostos a enfrentá-los.
Joachim, tão novinho, ensina isso para gente.
Cyril Pedrosa, autor francês, desenhou para Disney e tem um talento incrível para contar e compor histórias. Com tradução de Carol Bensimon (Sinuca Embaixo D'Água), "Três Sombras" entra para a galeria, na minha opinião, dos grandes trabalhos em quadrinhos, que mexem com nosso corpo, alma e mente. E com as sombras que temos dentro de nós.

Três Sombras

Autor: Cyril Pedrosa
Tradução: Carol Bensimon
Editora: Quadrinhos na Cia.
Páginas: 272
Preço sugerido: R$ 39,50

quinta-feira, 21 de julho de 2011

whisky

Bebia um gole de whisky. Já não sabia mais se com ou sem gelo que gostava. Era apenas whisky em seu copo e um vazio em sua alma.
A cabeça a mil, o corpo dava voltas em voltas de si mesmo sem sair do lugar. Na vitrola, um jazz riscado.
Acende um cigarro, desses cigarros velhos de filtros.
- Não há solução - resmunga.
Leva o cigarro à boca, dá uma baforada, lentamente coça os olhos com o polegar e o dedo anelar enquanto segura o cigarro com o indicador e o dedo do meio. Fecha os olhos.
Dá mais uma baforada no cigarro e perde de vista o desespero. Olha para o lado, para cima e para baixo. Faz não com a cabeça.
Pega o whisky com o polegar e o dedo anelar. Não tem mais dedo para segura o copo enquanto segura também o cigarro.
- O que você tem para me dizer?
Silêncio.
- Nada? Nada mesmo?
Silêncio.
- Porra Ana! Eu te amei, caralho!
Joga o copo de whisky já vazio no chão. Dá mais uma baforada no cigarro.
- Eu fiz tudo por você, Ana. Tudo. E é assim que você me agradece? Trepando com o menino? Um menino, Ana. Porra! vai pra puta que te pariu! ele tinha só 15 anos, Ana!
Silêncio.
Dá mais uma baforada no cigarro. Joga a bituca no chão e pisa com o chinelo de dedo.
Ana levanta e lentamente vai para o quarto. Andando devagar, ainda com a cabeça erguida. No caminho, para perto de Pedro, acariciando seu peito pega um cigarro no bolso da camisa.
- Acende pra mim?
Dá uma baforada, põe mais whiski no copo.
Pega lentamente. Suga o que sobrou do whiski com a lingua. Olha para o Pedro e diz:
- Me come.
Treparam na sala. Em cima da bituca de cigarro, dos cacos de vidro do copo de whisky que Pedro jogou no chão. Em cima das roupas usadas por Ana pra trepar com o molecote.
Em cima das lembranças e das dores.
Se amaram loucamente.
Terminaram e Ana colocou a camisa do Pedro. Amassada de raiva e suor. Pedro vestiu-se e de cueca foi ao quarto. Voltou com uma nota de 100.
- Toma, pega essa porra por essa trepada de despedida.
- Pedro, o que é isso?
- Pega essa porra, Ana! Vamos! sai da minha casa.
Ana levantou-se, vestiu a calça, arrumou o cabelo com o cigarro pendurado no canto da boca.
- Você vai se arrepender, Pedro.
- Vai logo, porra! Vai se fuder!
Ana deu mais uma baforada e saiu. Bateu a porta, terminou de colocar o tênis no vão do prédio.
Desceu as escadas, os 9 andares.
Pedro ia se arrepender do que fez.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Dicionário

Um dia, quando eu tinha lá pelos menos 7, 8 anos de idade eu comecei a ver o que era o mundo. Quer dizer, não é o mundo em si, mas perceber que existia alguma coisa para além do que era a minha casa na esquina, a escola, as brincadeiras, o lanches no recreio e o Progama da Xuxa. Na verdade, eu nem assistia muito a Xuxa, gostava mesmo era de ver Rá Tim Bum, onde até hoje fico feliz de ouvir um "senta que lá vem a história".
Pois bem, mas quando eu tinha essa idade mais ou menos eu já sabia ler. Achava realmente interessante a ideia de que uma palavra casada com outra, mais uma letra, mais outra formava uma frase.
Ainda que com uma certa dificuldade e um desconhecimento total do que eram determinadas palavras, eu lia algumas coisas. Coisas que algumas vezes não sabiam o que significava.
- Mãe, o que significa sexo?
- O que você está lendo, menina?
Era assim.
E então nessa época pediram na escola um livro novo, um livro que não tinha figuras e que tinha um monte de palavrinhas todas juntas no mesmo lugar: o dicionário.
Achei aquele livrinho, um Aurélio edição de 1987 (eu tinha meus sete anos aí) muito estranho, mas ao mesmo tempo muito bonitinho. Ele ficava em pé e tinha um cheiro de coisa nova muito legal.
Então eu ganhei um dicionário e pensei que agora sim, todas as minhas dúvidas estavam esclarecidas porque tinha ali todas as palavras do mundo.
Mas eu não sabia como usar aquele livro: viro de um lado, do outro? onde está palavra tal?
A professora, Tia Ana na época, explicou que as palavras seguiam uma ordem, que iam das letrinhas A a Z. A gente ia procurando aquela que a gente tinha dúvida do que era. O que a gente tinha que fazer era procurar no dicionário e ver como escrevia, o que significava e tals.
Aí eu pensei:
- Será que tem todas as palavras mesmo nesse livro? eu duvido.
Procurei em primeira instância a palavra merda. Nossa! E tinha!
Li a palavra encabulada, como se tivesse fazendo algo muito errado.
"merda: fezes, escremento".
Puxa, as palavras tinham outras palavras que significavam elas agora.
Então, transgredi.
Sem medo, peguei meu dicionário e fui para o meu quarto, sentei na cama que tinha uma boneca e duas almofadas e procurei: cu.
"ver ânus. Bunda".
Ainda ruborizada, abri o dicionário em ânus e lia rindo o que significava a palavra. Talvez com vergonha de mim, não sei. Como se alguém pudesse ver o que eu estava fazendo e pudesse dizer:
- Palavrão! você está lendo palavrão! Isso não pode!
Mas ninguém disse nada e eu continuei procurando todas as palavras do mundo, todas as palavras que eu tinha dúvida.
E eu achei o dicionário muito divertido. E comecei a procurar todas as palavras que pensava. E competia comigo mesma:
- Vou pensar uma palavra que nunca existiu, esse dicionário não vai ter.
Mas tinha!
Era algo mágico.
Foi então que com 7 anos procurei o significado da palavra morte. Meu tio tinha acabado de morrer e minha mãe tinha ficado muito triste. Muito mesmo. E eu também fiquei. Então tive que procurar o siginificado da palavra depressão.
E o que eu encontrei foi um olhar do meu pai e da minha mãe. E das tias da escola.
E foi legal de ver que no dicionário depressão também pode significar um buraco profundo, da terra mesmo,
ou do nosso coração quando a gente vê alguém que a gente gosta muito ir embora.
E assim eu achei que todas as coisas no mundo, no meu mundo, podiam ser nomeadas, podiam ter nomes, como se eu pudesse ter o domínio dos meus sentimentos, ou, ousadamente, pudesse saber o que estou sentindo, tendo que dar a cada uma das minhas sensações um nome: medo, dor, agonia, alegria.
Hoje a palavra que tenho é saudade.
O dicionário está explicando o que é, mas não sei, ainda assim, tem alguns sentimentos misturados com a palavra saudade que ainda não têm nome...
E dos palavrões, achei que o dicionário pode dar para gente uma gama imensa de palavronas, palavras bonitas, palavras que geralmente estão em desuso no nosso dicionário visual.
Então, achei o significado da palavra amigo. Achei ao longo da minha vida o significado dessa palavra. Eu não procurei no dicionário, achei no olhar das pessoas. E nesse final de semana achei mais três pessoas que cabem perfeitamente nessa palavra.
e eu nem precisei abrir o dicionário. Mas ele está lá na estante. Em pé ainda, cheio de palavras...

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Café e cigarros num hotel barato

O tapete vermelho da entrada cheirava a mofo. A pouca luz denunciava que o pó sobre os móveis não tem sido tirado há algum tempo. Havia jornais da cidade da semana passada sobre a mesinha de centro, coberta com vidro trincado e cercada por três sofás de plástico verde. Pequenos sofás, encolhidos e miúdos. Pequenos como numa casinha de boneca.
- Está bom esse hotel para você?
Ela não respondeu. Continuou imóvel olhando o movimento fora do prédio iluminado com luz neon no letreiro. A letra H do Hotel estava falha e piscava como aquelas luzinhas de natal.
- Deve estar. Ela não falou nada. Veja dois quartos pra gente.
Entrou, sentiu-se cansada.
O banheiro no final do corredor era um convite para mijar em qualquer lugar do quarto que tinha apenas um vitral que entrava a luz de fora. Ar não entrava e o lugar cheirava a cigarro.
Deu vontade de fumar. Abriu um maço, pegou um, dois, três cigarros.
Bebeu o café barato e frio que estava à disposição no fim do corredor. Enquanto andava ia dando baforadas sensuais no cigarro pelo corredor, lembrando aos outros hóspedes que não era proibido fumar no local.
Voltou para o quarto, tirou os sapatos e pisou no chão sujo, no carpete que parecia ter areia. Esfregou os pés, fechou os olhos e sentiu prazer. Continuou a esfregar os pés no chão, na cama e nos lençóis que cheiravam a trepadas antigas.
Bateu na porta do quarto dele. Descabelada.
- Quer trepar?
Ele sorriu, botou a camisa branca e de cueca foi arrastando-a pelo corredor vermelho. Beijava-lhe a boca, o pescoço, mordia seus lábios tentando comê-la, sentir seu gosto. Apertou suas nádeas, seus seios e ela, num típico charme, o empurrava, tirava a boca de perto da sua enquanto desfilava sensualmente ia pelo corredor longo.
Passaram pela pequena sala escura com sofás verdes. Juvenal, o porteiro daquela noite no hotel sem agá, olhou, observou as sinuosas curvas da mulher que tinha ali uma sensualidade sem limites. Ela andava tocando o homem em suas partes íntimas. Com olhar febril a mulher ia andando para o quarto segurando um cigarro aceso nas mãos e o gosto de café velho na boca.
O homem estava estático encostado na parede amarelada pelo tempo e suja de gordura. Ela ia descendo mordendo-lhe o corpo todo, apertando e comprimindo o peito, a nuca do homem que gemia baixo.
Juvenal lambeu os beiços, tremeu e se masturbou olhando os minutos que cena durou. Depois, temente a Deus, se benzeu e voltou o olhar para a leitura do jornal da semana passada.
Enquanto isso, aquele homem e aquela mulher entraram no quarto e foderam a noite toda, o dia seguinte todo e a noite toda de novo. Entre cigarros e trepadas, ele sentiu que ainda a amava. Puxava-lhe os cabelos, rasgava-lhe a pouca roupa que tinha. A calcinha barata de algodão da mulher perdeu-se entre as fronhas e os lençóis amassados de sexo.
Entre uma trepada e outra, ele a matou sufocada numa tentativa de segurar o gozo. Apertou-lhe o pescoço.
Quando percebeu, bateu na mulher com força para que ela voltasse, mas ela não voltou. Então ele lambeu-lhe pela última vez, tocou os seios arredondados e firmes e fodeu com ela pela última vez.
Acendeu um cigarro e sentou na beirada da cama, esperando o que ia fazer. Pediu um café na portaria. Juvenal levou o café velho e frio e tentou olhar no quarto, mas só conseguiu ver os pés da mulher. Excitou-se.
Naquela noite, na entrada no hotel sem agá em luzes neon, outro casal chegava.
Juvenal tomava o que restou do café velho e frio.
Enquanto a mulher sentava no pequeno sofá verde e lia os jornais antigos, o homem de chapéu preto perguntou:
- Tem quarto vago?
Ainda tinha pó na mesa da sala. Os jornais eram mais antigos ainda.
- Quantos quartos? - perguntou Juvenal.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sobre as pessoas e as coisas

Quero só dizer que quando eu penso em escrever algo, não é sem propósito.
Esse blog não tem a pretensão de ser algo além, de levantar bandeiras, nem de dizer o que é certo e o que é errado.
Contudo, a vida está aí na nossa frente, gritante e gigante. Muitas vezes morta, poucas vezes vivas.
E hoje, ao me deparar com essa foto de um menino de dois anos na Somália, parei de olhar para o meu umbigo por alguns minutos.

"Além de conflitos internos, a Somália e outros países da África Oriental, como Etiópia e o próprio Quênia, passam pela pior seca dos últimos 60 anos. Nesta terça-feira, a ONU chamou a atenção para a crise humanitária na região, onde a temporada sem chuvas atinge cerca de 11 milhões de pessoas, e fez um apelo a comunidade internacional.
- O custo humano desta crise é catastrófico. Nós não podemos nos dar o luxo de esperar - disse o secretário-geral da ONU, Ban ki-moon - Nós admitimos que temos que fazer de tudo para evitar que essa crise se aprofunde.
Um relatório divulgado em maio deste ano pelo Médicos Sem Fronteiras mostra como a realidade dos campos de Dadaab - composto por três acampamentos Dagahaley, Hagadera e Ifo, onde 9% das crianças chegam desnutridas e 60% das famílias vem com pelo menos um familiar doente.
Para receber a porção de comida - três quilos por quinzena, as famílias devem esperar, em média, 12 dias. Os utensílios de cozinhas e roupa de cama demoram mais de um mês. Durante este período, os recém-chegados precisam se virar em temperaturas médias de 50 graus, buscando alimentos no deserto e fugindo de animais selvagens, principalmente de ataques de hienas, frequentes na região".

Será que ainda existe gente no mundo?
Eu estou me questionando aqui para onde vamos e como vamos. Não tenho a pretensão de salvar a ninguém, muito menos a mim mesma.
Ninguém salva ninguém.
Mas eu quero questionar algumas coisas, como por exemplo a construção de estádios para a copa do mundo, o gasto excessivo do mundo em competições pífias de ver que é quem tem a melhor bomba atômica e em discussões aclamadas e acaloradas sobre a necessidade de se gastar papel tornando determinados cidadãos, cidadãos honorários de cidadezinhas de merda que só pensam em burlar regras e roubar dinheiro público.
Só quero perguntar até quando crianças de dois anos como essa continuarão a ilustrar as páginas de jornais, as vias da estação da luz e a esquina da casa de qualquer um de nós.
No que vale realmente investir?
Ninguém aqui está jogando a questão de ser jesus cristo, de fazer milagres, mas sim de repensar esse mundo, de repensar em que realmente damos valor e o motivo desse valor.
Esse menino chama-se Aden Salaad e tem mais um monte igual a ele esperando que alguém olhe, que alguém faça algo melhor do que ficar coçando em frente a televisão e dando milhões em realitys shows.
Peço que, por favor, ninguém tenha respostas, mas sim mais perguntas.
Se a gente se questionar, é meio caminho andado pra salvar a vida de Aden e de tantos milhões
Sejamos mais humanos, por favor.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sobre a 15 de Novembro

Na cidade que eu moro, Marília, tem algumas ruas com nomes de datas como por exemplo a 9 de julho, a 24 de dezembro e a 15 de novembro.
Ao longo dos anos me questionava porque algumas ruas tinham nomes de datas e não necessarimente de santos ou pessoas, tendo em vista que temos a Rua São Luís, a Rua Santo Antonio (onde tinha um sebo de livros que era minha diversão nas férias da infância), a Rua Pedro de Toledo e assim vai.
Pois bem que ficava me questionando isso e as ruas com datas são as mais antigas da cidade. Me lembro muito bem da 9 de julho com suas bancas de revistas abertas onde íamos quando a gente era criança com o meu pai.
Era interessante porque na época que eu era criança não tinha livrarias na cidade e nas sorveterias não existia o "self service". A gente chegava na banca que ficava na 9 de julho e comprava figurinhas, revistas de quadrinhos e ia na sorveteria que ficava na 24 de dezembro e escolheia a bola de sorvete. Um sabor ou dois. Quando a gente podia escolher dois, entre cinco, como côco, chocolate, creme, morango e uva, era um luxo.
Pois bem que a rua 15 de novembro sempre me intrigou. Eu achava a rua mais antiga da cidade, apesar de não ser. Com casas antigas e altas e muros baixos. E algumas pequenas lojinhas de comércio. Uma loja de armarinho, uma sapataria.
Era lá que tinha o mercadão municipal, com aquários que eu achava o máximo e com um cheiro de flor que até hoje lembra minha infância. E o pastel do Hirata onde às vezes, para comemorar o fim do semestre nas escola, meu pai e minha mãe levavam a gente. Pastel com coca-cola. O dia estava ganho.
E a cidade foi crescendo e eu também e novos espaços foram se abrindo.
E hoje, na 15 de novembro, nas esquinas, ao invés de pequenas lojas fechadas ou casas antigas com luzes intimistas acesas à noite e o mercadão iluminado, o que mais podemos encontrar são mulheres de programa, vulgarmente conhecidas como prostitutas.
As pessoas passam de carro e buzinam, gritam nomes estranhos, falam besteiras. Como se fossem animais. Como se as mulheres na esquina fossem animais. Os donos dos carros, gritando e com cervejas nas mãos dirigindo carros, geralmente são animais disfarçados de gente.
Mas a questão é que essas pessoas ficam na esquina, com roupas curtas, algumas vezes sentadas, algumas vezes dançando, outras vezes atendendo o cliente no carro.
E eu pensei o que leva alguém a se prostituir, a usar como ferramenta seu próprio corpo. Faça chuva ou sol, lá estão todos, na esquina. Penteadas, bem arrumadas, maquiadas.
À espera de um carro, um programa e um dinheiro. Ou um milagre de encontrar um Edward a la Julia Roberts em "Uma linda Mulher".
E quando me dei conta que estava pensando isso, pensei o elas podiam pensar das outras pessoas:
"o que leva alguém a estudar, fazer mestrado, acordar cedo todo dia e ir para o trabalho até as seis da tarde? o que leva alguém a prostituir seu cérebro?"
E eu conheço um monte de gente que faz isso, que prostitui o cérebro e a própria vida.
e então fui embora, ouvindo gritos de motoristas com seus carros importados que passam por lá sem ter o que dar para essas mulheres além de um xingamento gratuito.
Muitas pessoas passam por lá e enxergam esquinas vazias de seres humanos. Eu vi uma esquina cheia de pessoas como eu e você que nasceu, cresceu e deve ter tido sonhos na vida, medo e mais uma porção de outras coisas.
E quando as pessoas passam e gritam e xingam é como se a rua 15 de novembro perdesse seu nome à noite, perdesse sua identidade, numa leitura emprestada a novos prazeres, a novos nomes e datas das pessoas que ali estão.
E outra história, todos os dias começa ali a cada noite, a cada dia que não necessariamente o dia 15 de novembro.