terça-feira, 30 de setembro de 2008

Vera Alice e a angústia

e então que depois do abraço da velha senhora, Vera Alice saiu mundo afora, num caminhar lento, mas constante.
em uma de suas passagens encontrou um passarinho ferido no chão. o pobrezinho estava ali, perdido, com a asa torta.
- você com a asa torta e eu com a alma....estamos bem, hein coleguinha...
Vera Alice o abraço e o colocou em sua bolsa. Procurou um bom lugar para sentar, pelo que me disse, era uma árvore daquelas grandes e fortes com um espaço entre as suas raízes que saltavam para fora da terra.
A menina se acomodou ali e começou a conversar com o passarinho. contou da vida, dos problemas e das soluções que achou que tinha para alguma coisa.
- é difícil conversar, passarinho. os homens não páram mais para prestar atenção.
e falou e falou. Na verdade, Vera Alice parecia estar angústiada com algo muito distante, que por mais que não pensasse, teimava em vir em seus pensamentos. Seriam devaneios?
- não, os devaneios sempre me trazem de volta para o chão. são angústias feridas e contidas mesmo - disse a menina.
e contou para o passarinho porque saiu de casa e foi tentar encontrar o mundo. ou andar para que o mundo a encontrasse.
e só o passarinho soube o motivo...mas ninguém.
e então ele cantou. e saiu voando longe...
Vera Alice estava sozinha de novo.

O mundo é um moinho...

Tem uma música do Cartola que eu adoro que se chama "O mundo é um moinho" e toda vez que me lembro dessa música eu penso no tanto que meus sonhos são mesquinhos e, sei lá, mortais.
Tenho tantas vontades e desejos de engolir o mundo inteiro, de conhecer tudo, encontrar todos, ver filmes, livros e amigos sem fim que quando me deparo com a parte:
"Ouça-me bem amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó"
vejo que o importante da vida mesmo, é viver bem. Não no sentido de ter dinheiro, mas de viver a cada instante como se fosse único. E o pior é que é.
Tantas guerras, fomes, mortes, falta de água, de comprometimento, de engajamento e de consciência social que juro sentir que meus sonhos são realmente mesquinhos.
Bom, que sejam. E que a consciência me faça o favor de me alertar quando eu estiver com os dois pés apenas no sonho. A realidade é que nos faz humanos. Verdadeiramente.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Luzes da Ribalta

Mais um filme maravilhoso do Chaplin. Eu já havia assistido Luzes da Ribalta (1952) antes, mas a força do genial chaplin me vez voltar e repetir algumas doses desse filme divino sobre força, amor, amizade e vontade.
Nesse filme, há um Charles Chaplin falante, mas que não perdeu a graça nos gestos, no jeito e no olhar humanizado sobre o mundo.
Calvero é o palhaço esquecido, talvez que se esqueceu de si mesmo na verdade, que ao salvar a bailarina Terry acabando sendo salvo também.
- Mas Calvero, a vida não tem mais sentido...
- A vida é desejo e não sentido...
Chaplin. Na veia. Um filme que merece ser visto e revisto. Várias vezes.

domingo, 28 de setembro de 2008

Vladmir Herzog e o Clube de Cinema de Marília

WLADIMIR HERZOG
Filósofo, jornalista da TV Cultura, Professor da USP e apaixonado por cinema.
*27/06/1937 OSIJEK
*25/10/1975 BRASIL
FOI PRESO, TORTURADO E ASSASSINADO NO DOI-CODI/SP.
MOTIVO: PENSAR. E ACREDITAR NO CINEMA E NA CULTURA COMO “UM ATO DE ABNEGAÇÃO”.
Estamos organizando o acervo do Clube de Cinema de Marília. Só que mais legal do que organizar, é mergulhar na história do cinema, de um cinema distante, 1950, cheio de sonhos, idéias e projetos.
Estamos descobrindo muitas coisas legais. E interessantes.
Uma delas foi o livro de ouro do Clube onde há assinaturas de dedicatórias de vários cineastas e apaixonados por cinema.
um deles, que mais me tocou, foi d Herzog, alguns anos antes dele morrer, assassinado, pelo Doi-Codi, em 1975. Todos já devem saber que Herzog era um apaixonado por difusão cultural, conhecimento e cultura. Mas esse texto, publicado originalmente no Estadão, merece destaque. Não apenas pelas palavras de carinho, mas sim por um exemplo de vida que acreditou na arte e na cultura.
Tentamos seguir a linha do cara. Um dia conseguiremos.
FAZER UM TRABALHO DE DIFUSÃO CULTURAL É UM ATO DE ABNEGAÇÃO. MAIS QUE TUDO, PORÉM, É UM DEVER DE TODO AQUELE PARA QUEM O CONHECIMENTO NÃO CONSTITUI APENAS MOTIVO DE VAIDADE PESSOAL. DÊSSE MODO, O CINECLUBISMO DEVE SER ENCARADO COMO UM MOVIMENTO DE CULTURIZAÇÃO DE MASSAS, E, DENTRO DÊSSE PONTO DE VISTA, AO QUE TUDO INDICA AO CLUBE DE CINEMA DE MARILIA CUMPRE UM OBJETIVO ESPECÍFICO. NÃO ME CABE FAZER ELOGIOS GRATUITOS, MAS DESEJO ASSINALAR MINHA ADMIRAÇÃO POR TER ENCONTRADO ENTRE VOCÊS GENTE QUE PENSA REALMENTE COM A CABEÇA, O QUE ENTRE NÓS NÃO É TÃO COMUM QUANTO PARECEM FAZER CRER OS OTMISTAR INGÊNUOS.
CONTINUEM. CONTINUEM E SE APERFEIÇOEM. QUERO DIZER: AO LADO DA DIFUSÃO DE FILMES – TAREFA BÁSICA, MAS NÃO ESSENCIAL – PROCUREM AOS POUCOS PASSAR PARA A ATIVIDADE DINÂMICA, A ÚNICA QUE ESTÁ APTA A MANTER VIVO O INTERÊSSE COLETIVO POR UMA ARTE. FAÇAM FILMES. BONS E MAUS. EM 8mm E 16 mm. COM OU SEM SOM. MAS FAÇAM. COMECEM JÁ. CRIEM UM GRUPO INTERESSADO QUE DESENVOLVAM OS TRABALHOS COM BASE EM TROCAS DE IDÉIAS. INTERESSEM-SE E USEM OS SEUS PROBLEMAS.
NÃO ESPEREM RECOMPENSAS. PROCUREM SOMENTE COMUNICAR CLARAMENTE UMA IDÉIA ÚTIL. É DE IDÉIAS QUE PRECISAMOS: EM CASA, NA ESCOLA, NA CIÊNCIA, NA POLÍTICA. TAMBÉM NO CINEMA.

dos demônios e das divindades

"ao avistar, lá longe, que havia uma luz piscando muito, ela parou. se abaixou e pediu baixinho que fosse um sinal. na verdade, era que o dia estava já raiando e ainda restava muito a fazer".
Se todos tomassem conhecimento que o que nos habita é o que nos exorciza, teríamos um profundo saber que iria permear todo o nosso corpo, mente e principalmente a alma. Naqueles momentos menos sóbrios de lucidez, uma verdade inconstestável apareceria como um passe de mágica e pronto: saberíamos dali por onde seguir.
Mas nem sempre sabemos se devemos continuar seguindo, ou se seguimos o que restou de alguém ou de algo. Escreve-se para exorcizar os fantasmas, mandar embora as ameaças e finalmente, ver que o que vem é a luz divina do dia. Pura e sábia como um dia inteiro que ainda temos para pintar...
Os demônios não necessariamente são os que nos atormentam, mas sim aqueles que nós mesmos atormentamos ao não nos reconhecer enquanto seres humanos, passíveis dos sentimentos mais mequinhos e sórdidos de que se tem notícia.
"ei menina, pode sentir raiva sim. pode sentir ódio também e vontade de matar".
"isso em qualquer momento?"
"sim. não tem hora para vir. sinta-se humana. demasiada humana, como diria nietzsche".
ufa. divino isso.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Vera Alice e a solidão

Despedaçada, Vera Alice andou pelas ruas. Sozinha, como sempre haveria de ser. Entrou em uma casa antiga, feita de madeira, daquelas onde as janelas ainda davam para a rua.
A estrada parecia ainda ser muito longa.
Entrou e encontrou uma velha senhora sentada. Com um gato no colo. A senhora sorriu gentilmente e ao ver a expressão de Vera Alice, lhe perguntou:
- ei menina, quer algo? um copo de água?
mas foi então que Vera Alice pediu algo incomum num mundo como hoje:
- eu gostaria de um abraço...
Para ela, a sede era outra. E seus olhos se fecharam ao sentir o carinho da velha senhora.

O TEATRO MÁGICO

Descobri O Teatro Mágico. Mas acho que na verdade, eles que me descobriram. O teatro, a dança, a música, a arte...é tudo mágico. O show aqui na semana passada foi fantástico. Em breve, a entrevista e as fotos na edição #3 da revista Café Espacial. A foto é da Paula Mello, a fotógrafa da revista...o Serginho e eu fizemos a entrevista. http://www.cafeespacial.com/ "Os opostos se distraem Os dispostos se atraem"

sábado, 20 de setembro de 2008

E então que eles foram.

Era um vez, ou foi uma vez, não sei ao certo, houve a história de uma menina que não sabia para onde ia e nem como iria chegar lá. E chegaria onde? E se chegasse, quando chegasse, ficaria parada no mesmo lugar ou tentaria novamente sair para encontrar o que procurava?
Não se sabia. E ela ia sem parar.
Foi quando encontrou aquela pessoa. Na sua frente, ele sorria lentamente, como num filme de romance, como num caminhar lento que só nas vezes mais raras acontece. E foi então que ela parou para perguntar para onde ir.
- Ei, devo continuar seguindo?
- Não sei. Se você for para o lado que quer ir, continue. Se não for, ou se não souber, páre, descanse um pouco e olhe a paisagem. Não tenha pressa. O mundo gira.
Quem era ele? Um frio percorreu lentamente sua espinha chegando até a nuca, naquelas sensações que a gente tem quando se apaixona ferozmente por alguém. E como era bom! A menina queria mais daquela sensação. Tentou puxar conversa, perguntar algo.
- E você? Está indo para algum lugar?
- Eu? Imagina....nem poderia. Estou preso aqui, nessa terra. Parece que não teria para onde ir. Dessa forma, eu não vou. Fico aqui a contemplar o que acontece.
- Mas você me parece tão sábio, tão cheio de vida e experiências...
- Mas isso não quer dizer que eu tenha saído daqui. Sabe, quando as coisas acontecem, elas podem te tomar por inteiro ou fazer você mudar de opinião num piscar de olhos. Sem ao menos você sair do lugar.
- E o que te prende aqui?
- Meus pensamentos?
- Não, não creio que seja isso. Acho que é o seu medo mesmo.
- Medo? Do quê?
- Não sei. De viver?
Foi então que ele parou e pensou. Pensou no que aquela menina falava para ele e o que ele procurava no mundo adentro. Teria algo mundo afora para descobrir?
Não sei. Acho que nem eles.
Então juntaram as meninas de seus olhos e num olhar profundo decidiram que ali seria o começo de algo. Talvez de uma parceria eterna em busca da vida que ainda haveria de existir dentro de ambos.
E foram buscar o que o mundo apresentava. Nas dores, nos amores, nos dissabores e nas alegrias. Nas alegorias que dali corriam firme.
E seus olhos deram-se as mãos. Mesmo sem se enxergarem verdadeiramente. Na alma, já sabiam o que procurar. Se não um sentido, pelo menos um caminho próximo a ele.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

joão ou josé. da silva mesmo.

e então que ventava forte. um vento cortante que entrava pelas janelas mais fechadas do carro, da casa, da alma. e foi quando ele passou. depressa, tentando se proteger do frio, da vida. não sei.
vestia apenas um moleton azul, uma bermuda e estava descalço. seus pés sujos e rachados. não tanto quanto a vida que levava, mas rachados.
resolvi procurá-lo novamente. do alto da minha cegueira moral. será que uma meia ajuda? ou um pão? levei os dois.
passei por toda a cidade que estava gelada, abandonada, descrente. não o vi mais. e aquilo me doía a alma. foi então que parei perto de uma loja onde havia um corpo estendido no chão. como assim um corpo? era uma pessoa deitada, protegida com apenas uma fina manta, deitado com a cabeça em uma mala para dar apoio. vinha ou ia não sei para onde.
quando eu me aproximei ele levantou assustado, com medo. foi então que entendi o medo que o o que deve ser a negação da expressão dos sonos dos justos. que justiça é essa?
- calma meu senhor - eu falei.
ele parecia não entender. "o que ela quer aqui?"
- como é o nome do senhor?
- joão, josé da silva.
- vim lhe trazer esse pão e essa meia. vista. está frio.
o homem descrédulo olhava para mim meio que sem saber o que falar. e na verdade eu queria abraçá-lo e dizer que sim, aquilo tudo ia passar.
- vai com deus, minha filha. obrigado.
não tive coragem de responder. nada.
o choro engasgou e uma beirada do grito subiu pela minha garganta. não é possível que uma país como o nosso seja assim tão miserável, tão sem oportunidade!
ele só estava deitado. e sentiu medo. de mim!
o que vem à mente é pensar o que o homem está fazendo de si mesmo e da humanidade. não, sem ser poliana, pensando sempre pelo lado bom. mas, será que ainda existe uma esperança?
vou ter que engolir a seco essa angústia que está me atormentando e brigando ferozmente com a minha consciência....