quinta-feira, 30 de junho de 2011

Pausa


                                             Essa noite sonhei em lá menor
Era um sonho bonito, em preto e branco
Eu estava sustenido e você, bemol
Havia bichos, havia água
Havia o Sol

Quando eu sonho em lá menor
Eu acordo com uma tristeza sem compasso
Eu penso nos passos, na reza, no espaço que despreza
E então que fico com Dó
Dó de Si
E procuro rápido uma pausa qualquer, um lá menor Maior

E em adágio a gente corre pelo mundo
Alegre, ma no troppo
Tropeçando pelos copos dos bares, apertando cada colcheia em minuto

Sem bichos, sem medos
Sem desprezar qualquer segredo
Uma pausa mínima, breve

Sossegue, oras!
É agora, em Mi maior que podemos conversar
E eu posso dizer que...


Despertador.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Carta a um grande canalha

Caro senhor canalha,
tudo bem? esperamos que sim.

O senhor está sendo notificado através dessa carta porque realmente, pelo que consta aqui nos autos, o senhor foi um grande canalha, ou melhor, continua sendo.
Estamos lhe enviando essa carta para que o senhor saiba que usar as pessoas não é correto, para que o senhor tenha ciência de que mexer com o coração alheio e não cuidar desse coração é um declaração constante de que o senhor é um canalha, um sacana sem tamanho.
Percebemos aqui, nas considerações, que o senhor não levou isso em conta ao dizer certas palavras e ao tecer certas ações para que determinada pessoa tivesse apreço pelo senhor e se referisse ao senhor como um possível pretendente para as amigas e para a família, chegando, veja bem, até mesmo a dizer para os pais que estava com alguém.
O fato, pelo que me consta, é que o senhor foi avisado previamente pela pessoa de que não deveria agir assim e percendo que a pessoa estava sendo sincera, o senhor se tornou um total idiota ao deixar a informação entrar por um ouvido e sair pelo outro, intuindo que nada seria percebido por ela.
Tsc Tsc, senhor canalha. As pessoas próximas e até a própria pessoa referida no caso percebeu que o senhor não passa de um paspalho, um tremendo pastelzão de queijo sabe? daqueles molengas que qdo esfria não serve pra nada.
O senhor é, deveras, um tremendo calhorda, um filho da puta.
Então, tomamos a liberdade de vir até aqui lhe avisar disso.
Que o senhor vá para o inferno e que passe a vida toda assim, do jeito que o senhor sempre foi, um cara sem culhões, sem honrar o que tem no meio das pernas.
Tendo em vista que a única coisa que queria era se aproveitar da referida pessoa, ou melhor dizendo, em termos claros, exibi-la como um troféu para seus amigos ou usá-la porque precisava de algum favor, vamos sacaneá-lo até o fim da vida e pedir sempre, aos deuses da revanche que o senhor se apaixone por uma mulher bela, maravilhosa e que esta use o senhor de todas as formas possíveis, sendo que a mesma, em pouco tempo, se tornará uma baranga e uma grosseira incrivelmente astuta, conduzindo o senhor às profundezas do arrependimento. O senhor será obrigado a ver vitrines de sapatos no shopping na hora do jogo de futebol do seu time preferido. E em silêncio, não terá como reclamar, dizendo, "sim amor, aqui está o cartão de crédito".
Dessa forma, o senhor já estará fortemente atrelado a vida dessa pessoa, não conseguindo sair por muitos motivos, mas o maior deles, será a mãe dessa mulher por quem o senhor irá se apaixonar que irá lhe atormentar mais do que tudo nessa vida.
Que a revanche venha em dobro se o senhor não encontrar essa bela mulher, porque se não for esta a fazer algo, a lhe fazer sofrer, o senhor vai levar uma invertida de outra de quem tentará se aproximar que fará com que suas bolas, que já eram pequenas, se tornem bolinhas de gude que irão fazer com que qualquer mulher que o veja nu, tenderá a franzir a testa com cara de nojo pensando: "nossa senhora, o que é isso?"

Sendo esta apenas uma notificação, o que está por vir, será pior ainda.
Sem mais para o momento.

ps: ah sim, íamos nos esquecendo, a referida pessoa pediu para dizer que o senhor é um covarde por não ter sido sincero com ela e ter apenas afastado ela de sua vida sem nem ao menos comunicá-la. Também pediu para que lhe disséssemos que ela já lhe esqueceu. Alíás, não lhe esqueceu não, ainda se lembra do senhor calmamente dizendo que gostava dela. Então, ela resolveu que quem ia gostar dela agora era ela mesma. E que o senhor vá pra puta que te pariu, bem pertinho da sua mãe que é de onde você nunca devia ter saído.

*ontem uma amiga me ligou, chorando e me contou algum dos absurdos que o dito cujo fez e falou para ela. olha, uma coisa é você não querer mais a pessoa, tudo bem, é um direito seu. Outra coisa é você trair essa pessoa, e não é a traição física, com outro ou outra, é a traição moral de não ser sincero, de ser covarde e não conseguir falar, agindo a vida toda como se culpa fosse do outro. Isso vale para homens e mulheres. Ser sincero, ter dignidade é mostrar, ainda, que você é um ser humano. Minha amiga sofreu, assim como eu, você e mais um monte de gente que já pode ter sentido isso na pele. As notificações de canalhas, homens e mulheres, serão sempre marcadas. Pode esperar.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Domingos

O homem tinha nome de dia da semana. A mãe, muito crente, lhe deu esse nome por ter nascido mesmo em um domingo, como dizia a velha, "abençoado de Deus".
Domingos gostava de sair para ver as pessoas. Não fazia muito isso porque não tinha tempo. Entre cuidar dos avós e da mãe doente, tinha os afazeres de casa.
A época que mais gostava era o inverno, seguido nessa ordem pelo outono, pela primavera e pouco do verão.
- Chove muito e tem trovoadas, tenho medo - costumava dizer.
No inverno, Domingos gostava de se sentar ao sol e descascar uma tangerina. O cheiro da fruta ficava em suas mãos e mesmo que não comesse todos os gomos, ia até a cozinha, voltava para a cadeira da área e lá ficava descascando a tangerina.
- É a minha fruta preferida.
Domingos tinha uma paixão secreta, Irene, sua vizinha da frente. Moravam na mesma rua há alguns anos, desde que Domingos tinha 15 anos e Irene, 13.
Hoje, com quase 50 anos, Domingos achou que era hora de se declarar a Irene. Não que não tenha sentido vontade antes, mas nunca tivera coragem para tal ato.
Irene, por sua vez, mimava Domingos com bolos de cenoura e fubá, seus preferidos. E pegando tangerinas no sítio do tio Alencar para trazer para o amigo.
- Toma, trouxe para você - e saía com um sorriso tímido.
Irene também nunca se casou. Nunca quis.
- Isso não é para mim - dizia.
Então que Domigos colocou seu melhor terno, penteou o cabelo, passou um gel e com um vasinho de margaridas atravessou a rua.
- Boa noite, Irene.
- Boa noite, Domingos.
- Vim lhe trazer isso e....
- ....
- Bom, e não sei mais o que dizer.
Domingos suava frio, o cabelo milimetricamente penteado agora ficava colado no suor da testa que gota a gota fazia Domingos piscar, como se fosse um tique.
- Domingos, obrigada.
- Eu te amo, Irene, sempre te amei.
- ...
Ruborizada, Irene pediu que Domingos sentasse, lhe ofereceu uma água e lhe fez um agrado no ombro.
Domingos sorriu.
Mas sem que se desse conta, Marlenona, a amiga de Irene chegou.
- Olá Domingos.
- Oi Marlenona, vim aqui para....
 E então viu que Marlenona abraçou suavemente a cintura de Irene. Eram um casal e Domingos não percebeu.
Pediu licença, desculpa, sorriu e atravessou a rua de volta para casa. Estatelou-se na cama com os olhos esbugalhados, olhando para o teto do quarto, querendo ver além.
- Como não percebi antes? - questionou-se.
Era domingo à noite e Domingos ligou a televisão.
Passava Fantástico e o com a voz de Cid Moreira um novo quadro "Mistérios da Vida".
Domingos sorriu. E chorou ao mesmo tempo.
Seu coração estava dilacerado.
Pobre homem.

domingo, 26 de junho de 2011

Carne Viva

Quatro décadas de casamento. Quarenta anos juntos. Intensamente juntos. Pelo menos da minha parte. No meu corpo o cheiro dele exalava, brotava pelos poros. Já não sabia mais qual parte de mim pertencia a mim e se era eu.
O amava com todas as minhas forças, com todas as minhas dores. Amava-o como era e lhe perdoava os defeitos sorrindo, sem qualquer rascunho de dor na alma. Os defeitos dele também eram meus defeitos. Eram meus e parte de mim.
Traiu-me inúmeras vezes, incontáveis vezes. Com mulheres mais novas,  com mulheres mais velhas. Com pensamentos e com olhares lascados e enviados a esmo por onde ele passava.
Teve um filho, sim, comigo também. Mas com outra. Fez a pobre moça abortar.Ela obedeceu. Não quis o filho. E tão logo também não quis a moça.
Voltou para mim como tinha que ser. E as minhas dores latentes, ainda abertas em feridas rasgadas, cicatrizaram-se como por milagre. Ele estava de volta a minha cama, aos meus braços, meu pelos e meus carinhos.
Mesmo derramando lágrimas de sangue, sorria. O abracei, o amei e o acariciei como se não tivesse saído de casa nem por um minuto.
E sem um acordo, sem uma questão de piedade, ele me pediu a separação em um dia desses qualquer. Um dia que para mim estava nublado, cinza de cigarros fumados ao desespero espalhadas pela casa, pelo tapete, pelo carpete, pela cama.
Eu não tinha força para levantar. Minha aliança, nossa na verdade, doída, enraizada no meu dedo como se já tivesse nascido ali. Marcava o Sol de quarenta anos juntos. Ela não saía do meu dedo, a dor não passava.
Minhas lágrimas pareciam que encharcavam não aquele travesseiro cheio dele, cheio de cheiro dele, mas pareciam que alagavam minha alma e manchavam cada pedacinho de pele.
Eu era a partir dali uma imagem amorfa, deslocada de sentido.
Estava em carne viva, espaçada em um momento que parecia ser um mosaico do que fui. Pedaços por todos os lados. Cacos de mim que jamais iam se colar novamente.
Arrastei-me pelos cantos da casa buscando-o. Esses cacos não se juntavam, e quando assim o faziam não era mais eu, mais a minha pessoa, mas um pedaço de mim.
Escorei-me na parede tentando enxergar uma parte do espelho. Sai em disparada e fui pela cidade como quem tem um caminho. Ardendo em fogo, em dor em sangue.
Parei e vi um espaço de tatuagem. Eu precisava de uma nova dor.
Tatuei meus filhos, tatuei frases, tatuei minha alma.
Qualquer dor que não fosse mais a dor que sentia por não tê-lo.
E ele voltou no inverno com um sorriso e dizendo que me amava. Enxugou minhas lágrimas e me promete em cartas e afetos que não irá se perdoar de me perder.
Eu é que já estava perdida. Mas o abracei, o amei.
O amaldiçoei a estar condenado a mim. Ao meu corpo. Às minhas dores.

sábado, 25 de junho de 2011

da infância


em cima do muro, com frio e com o ipê florido.

um presente!

que legal!

curiosa brincando na cozinha! o fusquinha do meu pai atrás e a bola de futebol perto. rs

um pouco de sono com a mamãe.
e o título desse post, da infância, em letras minúsculas mesmo, porque a infância passa muito rápido. muito.
em frente de casa com o ipê florido. o ipê ainda existe a casa onde morei também. e eu brincava muito, de tudo e era tão legal.
o muro de casa era baixo, não tinha grades e nem cerca elétrica. eu não precisava ter medo, meu pai está abaixado atrás segurando meus pés para que não cair.
eu não tinha medo.
os medos que tenho hoje, depois que a gente toma consciência da vida, é que são difíceis.
era muito mais fácil antes. muito.
o ipê está florindo de novo. entre julho e agosto a rua fica cheia de ipês brancos.
e como a vida passa rápido. mas ainda bem que sempre tem a primavera. os ipês brancos e essas memórias que não cessam de dizer para mim quem eu sou e de onde vim.

na segunda foto eu estou brincando com uma cozinha de metal que ganhei dos meus pais. foi um presente e tanto e foi mta surpresa. mesmo.
pode ver pela minha carinha de alegria descobrindo os brinquedos.
me lembro de ter brincado muito nessa cozinha. muito.
cozinha pra cá e pra lá.
mal eu ia imaginar que hoje só sei fazer miojo. rs
mas foi tão bom, e é bom ter essas imagens aqui.
e principalmente no meu coração.
vejo poucas meninas brincando de casinha hoje. estão mais preocupadas em colocar maquiagens e vestir saltos.
eu usava uma sandalinha qualquer. e me sujava de terra que era a comidinha.
o fusquinha do meu pai está com a porta aberta lá atrás. eu dormia ali também quando dava soninho. e tem uma bola por perto também. eu brincava muito de bola também com o meu pai. 
e depois tomava banho. e dormia no colo da minha mãe.
e era bom.

era bom ser criança nesse época aí.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Léo

Quando a gente era criança, bem criança mesmo, a gente tinha uns amigos que a gente considerava primos da gente. Eles eram filhos da sobrinha da minha avó, que não era minha avó de verdade, porque essa morreu, ela era casada com o meu avô. Mas era como se fosse minha avó. E esses amigos, até hoje, comos e fossem meus primos.
A gente sempre ia brincar na casa deles. Era da casa da Larissa e do Lincoln. E era muito legal. A gente estudava em colégios diferentes na cidade, mas a gente sempre ficava brincando junto tanto de boneca quanto de escolinha.
Um dia meu pai colocou eu, meu irmão e minha irmã no carro e disse que a gente ia na casa da Larissa buscar eles pra brincar em casa. Achei o máximo.
- Que bacana ter amigos aqui - pensei.
A mãe deles, a tia Neusa estava grávida do Léo e eu me lembro vagamente da barrigona dela. E nesse dia que a gente foi buscar eles era porque a Larissa e Lincoln iam ficar em casa porque a tia Neusa ia ter bebê.
Puxa, um bebê, que interessante.
Eu devia ter mais ou menos uns 8 anos e começava a sacar que os bebês na barriga das mães não eram engolidos por elas. rs. Eles chegavam ali de outro jeito. rs.
Enfim que o mais importante era ter os amigos em casa e brincar.
A Larissa e eu ficamos conversando pra saber quem ia segurar o bebê quando ele chegasse. E é claro, por ordem de hierarquia, ela por ser irmã dele tinha o direito garantido.
A tia Neusa chegou em casa com o bebê Léo e minha mãe disse:
- O pacotinho chegou!
E eu fiquei feliz de ver.
Era um menino lindo.
Aí a vida fez a gente crescer e se afastou um pouco. Fui fazer faculdade e comecei a fazer Direito, na mesma classe da Larissa e reencontrei o Léo.
Tomei um susto.
- Léo, que lindo! como você cresceu!
E a partir daí eu comecei a chamar ele de Léo Lindo toda vez que o via e pedia:
- Dá aqui um abraço na tia.
E ele sempre era fofo e doce e me abraçava.
- Oi Li.
Então o Léo cresceu mais ainda e resolveu ir morar na Europa. E eu fiquei super orgulhosa e feliz.
- Que bom!
E hoje eu saí do meu trabalho e estava indo em casa almoçar pensando no que eu ia fazer amanhã, que é feriado e tals.
- Lídia, o Léo faleceu.
Eu sentei, fiquei branca e tive que tomar água.
Porque eu me coloquei no lugar na Larissa, no lugar da mãe dele e no lugar da minha mãe.
Morreu voltando no trabalho na Europa.
E eu vi que o mundo é vasto e dolorido. E até agora está um pouco difícil de respirar.
E não consegui pensar em outra coisa senão na Larissa e naquele pacotinho que chegou aquele dia.
E no tanto que a vida passa rápido e nos meus medos que tomaram parte do meu corpo assim que sentei na mesa, um tanto pálida, um tanto triste.
Espero que o Léo esteja bem onde ele estiver.
E que continue sendo lindo.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Pó de café

Acordou cedo, como habitual. Olhara o relógio e o objeto insistia em gritar anunciando que já era mais de seis da manhã.
Levantou, banhou-se e colocou uma roupa nova. Havia comprado há alguns dias aquele jeans e ainda não tinha tido a oportunidade de usar. Colocou, olhou no espelho e gostou do que viu.
A não ser pelo cabelo que ainda faltava pentear.
Desceu as escadas pé ante pé. Não queria fazer barulho naquela manhã ensolarada de primavera. Sempre gostou da primevera. A luz nessa época do ano fica mais forte e mais bonita e as árvores pareciam saudar as pessoas ao derrubarem, em cada um que passava, uma flor.
Olhou o relógio novamente e sentiu que estava atrasado. Entrou na cozinha, colocou a água pra ferver e passou margarina no pedaço de pão de havia sobrado.
Preparou tudo e montou para passar o café.
O cheiro da bebida ia exalando pela casa, subindo num charme quase que sensual as escadas, conquistando os narizes verticalizado nas camas e os olhos apertados de um sono profundo, sonhando com um cheiro que não podiam ver. E esses olhos, ah esses olhos, foram se abrindo.
Colocou o café na xícara e bebeu. Quente e forte. Com pouco açúcar.
Manoela desceu e o beijou.
- Bom dia.
- Bom dia.
- Está com gosto de café. De pó de café na boca.
- E você gosta?
- Como assim, se gosto? Claro que gosto de você.
- De mim não, do café, de sentir o gosto do pó.
- É diferente, mas eu gosto.
Então, ele a beijou com força, mordia-lhe a boca misturando o gosto do pó de café com o sabor da pasta de dente. Beijava-lhe a boca, o pescoço, as bochechas a testa.
Parou e olhou para ela. Fixamente. E então mordeu o pão e saiu para trabalhar.
Era um dia agitado que estava por começar.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O jacaré e a Baratinha

Era uma vez um lugar não muito distante daqui. Ali vivia Zé, o jacaré mais bonito de todo o pântano. Zé era um jacaré grande, bem grande com dentes enormes e um coração de ouro. Mas solitário. Muito solitário.
Zé nadava de um lado para o outro na lagoa procurando algas e pequenas comidas que pudessem alimentá-lo.
Ele não comia carne por convicção.
- Não é justo com os outro animais, eles também são meus amigos.
- Mas Zé, disse a gaivota Maricota, assim é a vida. Você precisa comer carne.
- Me recuso, Maricota. Isso não é para mim.
E então Zé saiu para passear. Foi tomar uma solzinho no barranco quando deu de cara com ela: Kiki, a baratinha mais fenomenal do pântano.
Zé já tinha ouvido falar dela por todos os cantos. Até os peixes comentavam:
- Minguado, você não acredita quem eu encontrei.
- Quem Peixoto? Kiki, a baratinha?
- Essa mesmo. Rapaz...
E se derretia em elogios. Zé ouvia tudo, mas nunca tinha visto Kiki de perto.
Quando se deu conta Kiki passava na frente dele, quase em câmera lenta, com aquelas antenas imensas que deixam o pobre Zé de boca aberta.
E a boca aberta de um jacaré é grande. Bem grande.
Kiki se assustou e ficou paralisada achando que Zé a fosse engolir.
- Por favor senhor, não me engula. Tenho muito o que viver ainda.
E Zé fechou a boca, sorriu lentamente e disse:
- Olá.
Kiki respondeu de volta, ainda trêmula:
- O o oooiii...
Então eles engataram um papo animado sobre o pântano, a vida e como se sentiam diferentes no mundo.
- Eu acho que sou muito grande e esquisitão. Imagine, eu não como carne, Kiki!
- Jura? É estranho isso mesmo. Mas por exemplo, eu tomo banho todos os dias, coisas que minhas colegas não fazem. E elas me acham bem estranha.
E foi um dia todo de conversa.
À noite saíram para jantar.
- Uma saladinha e um pouco de pele, por favor.
Jantaram, se divertiram e riram muito.
E de repente sentiram que estavam apaixonados um pelo outro. E foi bonito.
Zé passeia na lagoa com Kiki sobre sua cabeça. E Kiki sorridente diz:
- Que vento gostoso em minhas antenas!
É. O amor tem dessas.

terça-feira, 7 de junho de 2011

os espaços decor

Tinha uma casa pequena, bem pequenininha, mas extremamente organizada. a começar pelo chão que estava sempre "tinindo" de limpeza. chão limpinho e cheiroso. cheirava a maçã verde. a moça gostava era da parte que vendia produtos que dão cheiro bom na casa. produtos de limpeza bons e em conta.
a casa estava sempre arrumada.
tinha tudo no lugar: os brincos separados por cor, as roupas idem. na gaveta de calcinha, ai se as meias ficassem bagunçadas e atrapalhassem o bom andamento da organização.
na cozinha tinha potes, daqueles potinhos de plástico sabe? pra tudo. um para os biscoitos doces, outro para os biscoitos salgados. os farelos, farinhas de aveia e derivados cada qual no seu lugar. canecas milimetricamente organizadas por ordem de tamanho.
na geladeira tudo em ordem. das frutas todas lavadas aos iorgurtes higienizados antes de guardar. os discos, cds e dvds então, nem precisamos comentar. guardados em saquinhos plásticos separadamente.
os livros numa estante própria:
- os de quadrinhos aqui, cinema ali, literatura lá...
e assim iam os dias. milimetricamente organizados.
só o coração da moça é que estava partido. em caquinhos. pedaços bem pequenos que ela mal podia ver onde foram parar.
ah o coração....
esse não tinha como estar organizado.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Família de Humanos ou Os homens da República das Bananas

Já era fim da tarde, uma tarde fria de inverno quando a símia Kiki, uma das macacas mais atuantes da comunidade, passava pela rua Dom King. Ela parou e observou que perto da ponte havia uma família de humanos. Um homem, uma mulher e três crianças. Como estavam cobertos de roupas não dava para identificar se as crianças eram meninos ou meninas.
Kiki, num gesto nobre típico dos símios ligou para a emergência no Corpo de Símios e logo Don Raul, um símio de 47 anos atendeu.
- Alô?
- Alô? Don Raul?
- Pois não.
- Aqui é Kiki.
- olá Dona Kiki, em que posso ajudá-la?
- aqui perto de casa tem alguns humanos. estou achando estranho isso pq a República das Bananas fica um pouco longe daqui...
- são quantos dona kiki?
- cinco.
- não se preocupe, eles estão tentando vir para cá, já que a República das Bananas está esculhambada. eles têm se reproduzido mesmo porque pelos estudos, eles têm um projeto chamado bolsa família que quanto mais gente tiver na família, mais eles ganham dinheiro. mas não se preocupe, são dóceis quando bem comprados.
- mas seu raul, eles podem transmitir doenças como egocentrismo, vandalismo e o principal, corrupção.
- sim, mas esses pelo que me parece, estão perto da ponte né?
- sim.
- então, esses não oferecem perigo. estão só procurando comida e lugar pra viver. já foram atingidos pela corrupção de outros.
- são tão bonitinhos, don raul.
- são mesmo dona kiki, mas cuidado, são humanos de qualquer forma.
foi então que dona kiki organizou no bairro um evento para arrecadar fundos e fazer uma casinha para aqueles humanos. todos os símios da comunidade se reuniram e levaram bananas e água para aquelas cinco espécies que eles sentiam tão próxima.
construíram também uma casinha simples e lá os humanos ficaram por um tempo.
toda vez que os viam sainda casa para ir a alguma lugar, diziam:
- tão bonitinhos, tão fofos...olhe, eles andam em duas pata! que lindinho...
o corpo de símios, liderado por don raul, estava alerta apesar dos humanos não apresentarem perigo.
mas foram feitas fotos e tinha comida todo dia e eles se foram se reproduzindo aos montes independente da qualidade de vida.
a humana chefe com cara de general dizia que quanto mais filhos tivessem, melhor, mais bolsa família teriam. e os humanos seguima a risca o que a líder do grupo falava.
até então que um dia dona kiki percebeu que aquela família de cinco pessoas tinha agora dez membros e se assustou. achou estranho aquilo, apesar do alerta de don raul.
ela então ligou novamente para o corpo de símios de bombeiros e avisou don raul que logo mais capturou aqueles humanos que viviam jogando lixo no chão, fazendo barulho e dançando um tipo de música que os símios dizem ser chamada pagode, ou sertanejo universitário. no cativeiro continuaram a se reproduzir.
tentaram capturar a líder dos humanos, mas foi em vão. elas estava em uma viagem junto com o outro líder barbudo que os humanos tiveram.
passavam agora pela europa onde tentavam esconder o problema de um humano sem escrúpulos que roubava merenda de uma creche.
dona kiki agora sentia receio de dar água e comida pra esses bichos.
- é, esses humanos são um problema mesmo - costumava dizer don raul.
então exterminaram a espécie.
depois de alguns anos, dona kiki levou o netinho dela, o pequeno King pra ver os humanos empalhados no museu. o garoto tinha curiosiodade em saber quem eram os habitantes da República das Bananas.
- olha vovó, o que aquele humano está fazendo com esse dedo do meio levantado?

*livremente adaptado de uma notícia de jornal que dizia em marília alguns humanos acharam saguizinhos em uma árvore no centro da cidade: "mas o bosque está tão longe.... como eles vieram parar aqui?" as pessoas dão água para os bichinhos todos os dias. as crianças de rua que ficam naquela mesma rua pedindo esmola ou um pouco de atenção ganham, às vezes, um real.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Carta para minha avó

Marília, 3 de junho de 2011

Oi vó, tudo bem? como estão as coisas por aí?
escrevo pra vc porque já faz mais de um ano que não nos vemos. adorava ouvir você contar as histórias do sítio e de como um tanto de leite virava manteiga e de como era seu pai, sua mãe e a vida em um lugar onde os problemas pareciam ficar longe. não tinha muita coisa no sítio né vó? mas tinha comida e tinha leite e tinha todo mundo junto.
era engraçado, isso, vó, porque me lembro de ir na sua casa quando era criança e a gente ia viajando de carro e o meu pai, que é seu filho, ia me contando algumas histórias. e eu ficava super feliz de ir porque eu ia me divertir dançando em frente ao espelho imenso que tinha no seu quarto. e o quarto tinha só uma cama e um guarda-roupa e esse espelho. não era tão grande. mas para mim era e eu dançava e você dançava um pouco também. escondida, mas dançava.
e a gente chegava lá e não tinha televisão, não tinha muita coisa. mas tinha um quintal com horta, uma casa pequena e um cheiro de bolo de fubá que espalhava pela casa.
sempre tinha bolo de fubá e café. e macarrão e frango assado que a gente comprava no açougue do Kojó. daí a gente ia tomar sorvete e você sempre pegava um monte. igual a Laura faz. pega um monte de comida. rs mas o impressionante é que você comia tudo. a laura também come. é sua neta mesmo.
hoje eu me lembrei de você. a marilú fez frango assado e sei que você gosta. ela estava usando aquele lencinho de crochê que você usava. e eu lembrei de você mais ainda.
e lembrei que teve um dia que você foi esquecendo da vida. e foi esquecendo e esquecendo e seu cabelo foi ficando branquinho branquinho. feito nuvem.
e sua mão, que é igualzinha a mão do meu pai, foi ficando enrugada e fraquinha. e você era tão forte, puxa...
e então eu vi que seu olhar já não estava mais aqui na Terra. seu olhar foi ficando longe longe. e você começou a esquecer de comer, a esquecer de dormir.
e um dia eu me despedi de você, mas você não foi embora.
e eu fiquei feliz.
mas teve um dia que eu acordei cedo, bem cedo, cedinho mesmo e você estava no seu quarto deitada, em silêncio. bem quieta.
foi então que peguei na sua mão e falei para você ir em paz.
e você foi. você já tinha ido na verdade. só ficou mais um tempo por aqui porque sabia que pra gente ia ser difícil passar o Natal sem alguém pedindo mais um pedaço de pernil.
e hoje eu me lembrei de você e pensei onde será que você poderia estar....e me deu uma saudade.
quando der, vó, aparece tá?
meu pai anda triste. talvez se você conversar com ele, dá uma melhorada.
deve ser saudades de você...
um beijo, fica em paz
Lídia