quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Hiato

Sussuros, eram sussurros que se ouvia pela noite adentro. Não se sabia mais que horas eram, nem qual música tocava na velha vitrola que insistia em repetir a última estrofe de uma letra que não tinha a ver com o momento, mas a melodia ecoava nos pelos arrepiados, no coração acelerado como uma injeção de tesão, de ânimo.
Olhos fechados e gota a gota o suor ia escorrendo pelos corpos quentes, úmidos que molhavam a cama, o que restava do lençol que tentava em vão ficar esticado, o travesseiro amassado e as roupas perdidas entre as mordidas, o cheiro....
Apelos e apertos na imensidão de desejo que o momento servia.
"Fica mais...fica mais".

E a vida volta ao normal, a casa continua vazia, o café continua sem passar acumulando o pó próprio do tempo que passa, o pão sem margarina, o banheiro impecavelmente enxuto, o sofá para uma pessoa apenas e a casa sem os sapatos misturados espalhados pelo chão.
E o sexo é ótimo, a conversa é tão boa quanto o sexo, vocês riem da mesma coisa. E por isso que não dá  para pedir que a pessoa fique mais. Simplesmente não dá. Não dá porque você não tem coragem de dizer que mudaria sua vida toda para ter esses momentos constantemente. Não dá porque você não tem coragem de dizer que ela é a pessoa da sua vida e que vocês teriam os melhores momentos da vida de vocês juntos e que você é louca pra ter um filho com ele, com aquele cabelo, com aquela cor de olho, com aquele jeito lindo e manso. Não dá simplesmente porque se você tentar novamente se apaixonar por essa pessoa não vai dar certo e porque você sabe que essa vida foi feita para você ficar sozinha. Não dá porque você sabe que vai sofrer todas aquelas dores de novo porque de um momento para o outro a pessoa vai aparecer com outra pessoa, na maioria das vezes, mais interessante do que você, ao lado dela. Não dá para pedir que fique porque você tem plena consciência do tanto que você é egoísta e incapaz de dividir algo bom com alguém e mais egoísta ainda porque você não quer dividir nada porque sabe que não vai dar em nada todos aqueles sussurros. Eles se perdem no tempo, no vazio das paredes acumuladas de um branco mais vazio ainda.

E o melhor a dizer nessas horas é: que pena que não ficaremos juntos. é uma pena. E sair de cena com o coração estraçalhado em pedaços mínimos. Sabendo realmente que esse mundo de amor, de troca, de sentir o outro é apenas momentâneo. E fim. 


Bailarina - A Caixinha de Música

Rodava e rodopiava. Em movimentos leves, lentos e delicados, a pequena bailarina da caixinha de música ousava se mexer e chamar a atenção mais do que as joias que, guardadas há algum tempo, insistiam em brilhar.
A bailarininha tinha um sonho: dançar também em frente em espelho grande da casa. Ela já havia visto que no corredor que dava para os quartos havia um espelho grande, bem grande. Desses que dá para ver o corpo inteiro.
Apesar do corpo da bailarininha ser pequeno, bem pequenininho, ela queria ser enxergar inteira. Na caixinha de música, apenas a metade do seu corpo podia ser vista. A bailarina tinha uma roupa rosada, rodada, com colãn, brilhos e um tule como saia. Os cabelos presos em um coque davam o toque final.
Todos os dias, Amélia abria a caixinha de música, mais pela bailarina do que pela música, mais pelas joias do que pela bailarina, para escolher um brinco que lhe agradasse. E então a bailarininha como quem quer ser vista, dançava, dançava e dançava. Mas continuava triste em ficar presa na caixinha de música.
Então um dia Amélia esqueceu a caixinha de música aberta e a música tocou, tocou e a bailarininha dançou até a música acabar. E então saiu da caixinha de música e se pôs a andar pelo quarto. Andou pelas rendas rendadas das camas, pelo chão de taco, passou pelo perfume e atravessou a porta.
E assim, diante dela, viu no fim do corredor o grande espelho, no qual ela ia dançar e se ver por inteira. E então correu para o espelho e começou a se olhar. Olhou as roupas, olhou o cabelo, olhou a sapatilha.
E da cozinha vinha um som diferente, uma música que ela nunca tinha ouvido. Na verdade não sabia nem que existia a cozinha. Mas seguindo a música chegou até lá e ouviu uma doce melodia vindo de uma senhorinha bem velhinha que descascava cenouras para cozinhar.
E ela cantava bem baixinho: só a bailarina que não tem...todo mundo tem...
E a bailarininha levou um susto. Será que tinha sido vista?
Se escondeu rapidamente atrás da porta, perto da tomada e voltou para o espelho. Com o coração acelerado se questionou: o que eu não tenho?
E se lembrou de uma palavrinha bonita que combinava com a palavra bailarina: liberdade.
E então dançou, dançou e dançou procurando a tal liberdade.