sábado, 12 de fevereiro de 2011

Doce na panela

Uma das coisas que acho mais legal é quando o nosso olhar se distância daquele lugar em que crescemos, nascemos. Isso demonstra crescimento, ou amadurecimento, não sei. Ou talvez não demonstre nada, apenas que a gente cresceu de baixo para cima. Que está mais alto do que era quanto tinha sete anos de idade. Enfim.
Mas a questão para mim, vai um pouco além. Veja bem, nasci e cresci na mesma esquina. Morávamos em uma pequena casinha, daquelas simples mesmo de dois quartos e um banheiro. Uma pequena cozinha e uma salinha. Era bem pequeno mesmo. Mas para mim, naquela época era grande, muito grande. o quarto do meu pai era grande, a cama dele e da minha mãe também. Tenho a impressão de que vivi num meio quase que comunista. rs. digo isso pq tudo era muito dividido. do guarda roupa ao armário do banheiro. do chiclete ao sorvete.também, somos em quatro irmãos. o comunismo era frequente em casa. e mesmo assim era bom. eu era criança e minhas preocupações eram outras. como por exemplo, pular de cima do muro baixo, fingir que duas cadeiras enfileiradas se tornavam um trenzinho e que as mesmas abaixadas com um lençol em cima era quase que um palacete. onde eu morava com as bonecas e os meus irmãos mais novos.
pois bem. a rua onde a gente mora sempre deve ser vista com nostalgia. certo? talvez que sim.
onde eu nasci eu ainda encontro o cheiro do quintal do vizinho. a casa onde morava as amigas que minha mãe rezava o terço toda terça-feira ainda estão de pé. e elas, velhinhas agora, com netos, ainda estão lá também. as que não estão em encontro sempre. umas ao vivo que ainda me chamam de "Lidinha". outras nas minhas memórias. a casa da esquina onde morava um tio ainda está lá. mas agora tem uma horta. a casa grande onde eu passei em frente hoje ainda parece grande, mas está menor.
hoje eu fiz esse caminho à pé. coisa rara num mundo pós-moderno, onde nós temos que ser tão pós-modernos também que esquecemos que moderno, moderno mesmo é saber viver, olhar em volta e ter tempo. tempo de viver. de olhar seu passado. isso é modernidade.
algumas casas da rua foram destruídas e deram lugar a outras. outras, estão do mesmo jeitinho. com o mesmo cheiro. mas pintaram a grade, pq afinal, já se foram 30 anos, não é mesmo?
tinha um senhor, o mané, que era o guarda. ele assoviada durante a noite. era o guarda da rua. muitas vezes eu só conseguia dormir porque ouvia o mané assoviando ou com um apito, altas horas da madrugada. o que para uma criança devia ser entre 10 e 11 da noite. o mané ainda existe. e ainda olha a rua de casa. e ainda me fala oi toda vez que passo. e ainda assovia. e quando ele apita ou assovia, eu consigo dormir mais tranquila. talvez aquele tanto ainda de infância que está viva dentro de mim.
as sensações ainda parecem ser a mesmas na minha rua. os cheiros, os gostos, a lembrança da infância brincando na rua, andando de bicicleta. minha mãe grávida sentada no jardim da casa onde cresci, que ainda existe!
interessante observar que o tempo tem dimensões diferentes. faz parte de olhares diferentes sobre nós mesmos.
a casinha onde nasci e cresci ainda existe. aquela casinha de taco, forro e banheiro com azulejo branco. tá lá. de pé. junto com as minhas memórias que ainda existem. e é como se fosse um vício esse negócio de lembrar da infãncia. a gente fica viciado naquilo tudo que consegue tirar nossos pés do chão. que nos faz fechar os olhos e lembrar do sorriso dos amigos que estão em algum lugar por aí, na bola rolando no chão. nas crianças de bicicleta.
no grito de: maãaããe, paaaaai, cadê minha boneca? nos gibis espalhados no chão.
de tudo aquilo que vicia mesmo. igual comer doce na panela. igual achar que a gente seria eterno.