quinta-feira, 31 de março de 2011

Le Flâneur


vamos tirar do mundo da imagem e tornar real
Bom, parece mentira. Mas não é.
Hoje, quase 17h20 da tarde estou aqui escrevendo esse post. Talvez para dividir algumas coisas, talvez para contar outras.  Mas como eu disse, parece mentira.
Amanhã, dia primeiro de abril, dia da mentira, eu entro de férias. rá! alguém acredita? nem eu.
Pois é, mas é verdade.
Muitos planos estão aí tanto na cabeça quanto nas mãos. Passagens compradas para dois lugares especiais com pessoas especiais.
Duas semanas de folga e de novos olhares.
E aí que eu me pergunto: já viram a tirinha do calvin quando é sábado?
Pois é, não consegui achar ela agora, mas conta basicamente que todos os dias que ele tem que levantar para ir a escola são um sacrifícilo, porque ele quer ficar dormindo. E de sábado, quando ele pode ficar dormindo, ele quer ficar acordado para aproveitar o dia todo e acorda bem cedo.
Não é assim que eu me sinto, mas é mais ou menos assim.
A liberdade é algo um tanto complicado numa sociedade como a nossa, que faz de nós, seres humanos, escravizados do trabalho, workaholics compulsivos.
Essa sou eu.
E o pior é que gosto do que faço. Bastante.
Mas tem vezes que temos que parar e buscar novas cores, novos olhares para o mundo que criamos para nós. E amanhã já estou programando acordar depois do almoço (porque hoje tem debate do filme Nina, no qual sou convidada e um showzinho bacana de jazz pra fechar a noite) e ficar vendo tv, lendo livros e vendo filmes. Até doer as minhas costas e eu não sentir mais as minhas pernas. rs
E o pior é pensar que "como assim gastarei minhas férias sem fazer nada?"
e daí a gente vai se agitando, se agitando e não aproveita quase nada do que está por vir. Nem de ficar de pernas pro ar, na nossa imaginação apenas.
Por isso a necessidade de aprender a viver o agora, o momento de agora. Sem altos planos.
Planinhos é claro.
Pequenos planos dentro do grande plano que é o contexto de descansar. De viver a vida.
De olhar de baixo para cima com um olhar menos cansado, menos viciado.
de ficar parado. sem fazer nada.
"flanando" apenas, olhando a vida, observando as pessoas, os fatos.
quem sabe não é daí que surgem as boas ideias não é mesmo?

domingo, 27 de março de 2011

sr. oswaldo

Quando a gente é criança, tem algumas pessoas que nos marcam fortemente. O sr. oswaldo é um deles. Aqui em casa os meus pais chamam ele de Vado. E ele gosta.
Pois bem, eu era criança e ele ia em casa toda semana num opala preto, carregado de biscoito. Era uma maravilha. Biscoitos feitos em casa. Quem fazia era a D. Antônia, esposa dele.
e eu tinha um pouco de medo dele pq ele brincava com a gente, dizia que ia vir um monstro e ia assustando a gente...rs.
só que o mais legal era que mesmo eu sabendo que ia ficar assustada, eu gostava qdo eles iam lá. d. antônia era um amor. doce, de olhos claros e cabelos louros. então para mim era uma contradição. claro que preferia a dona antônia, aquela coisa mais vó. mas eu me divertia horrores com o seu oswaldo tb. com os medos. eu começava a achar engraçado. rs.
foi então que a gente foi crescendo. e crescendo. e seu oswaldo continuava indo em casa. toda semana. e meus pais compravam os biscoitinhos maravihosos sempre. toda uma vida.
mas um dia a dona antônia não foi mais. e nem o opala preto. e ele nunca mais assustou a gente.
dona antônia faleceu. me lembro de ver seu oswaldo no velório. ele mal conseguia levantar os olhos. e de repente aquele cara que contava histórias de monstros parecia uma criança que tinha visto um monte de monstro na frente dele.
a solidão, o medo e tudo mais.
ontem ele ligou pendindo para o meu pai buscá-lo para ele passar o dia aqui. veio almoçar em casa. continua abatido, com os olhos tristes, mas já sorri bastante. não conta mais histórias de monstro. nem vem de opala.
e diz que a gente é como se fosse neto dele.
acho isso triste. e bonito ao mesmo tempo.
os monstros agora, na minha cabeça e na dele, são outros. 

quinta-feira, 24 de março de 2011

O Morro

Acordou naquele dia azul como quem não queria levantar. Demorou, demorou e demorou na cama, virando de um lado para o outro, de um lado para o outro. O quarto escuro ainda parecia lhe dizer que era madrugada.
Enfim que abriu os olhos. Lentamente, mas abriu. Já era hora de levantar. Esticou os braços e pensou: só mais cinco minutinhos.
Os cinco minutinhos sagrados de qualquer ser humano. Quando abriu os olhos de novo, viu que estava atrasado. Ou não. Levantou, foi ao banheiro e ficou um bom tempo sentado na privada. Meio que dormindo, meio que acordado.
Levantou, lavou as mãos, o rosto e escovou os dentes. A toalha de rosto estava meio úmida, coisa que o deixava bem irritado. Mas naquele dia, estranhamente, não ficou nervoso. Não.
Tudo estava indo muito devagar para ele. Trocou de roupa, tomou café. Apenas um pão com manteiga. E colocou-se a caminho do trabalho.
O céu estava azul, azul. Daqueles azuis fortes e que lembravam a cor dos olhos da mãe dele.
- Minha mãezinha - pensou.
Mas o trânsito estava lento. Por demais lento. E ele não conseguia entender a lentidão de uma rua sem carro. Acreditava que a lento estava mesmo era dentro dele. As cores do outono lhe chamavam a atenção e o vento que batia naquela manhã parecia confortar-lhe a alma.
Andou mais um pouco, estacionou o carro e desceu do veículo. Foi até o trabalho como quem estava de muletas. Dessas muletas de quem quebrou o pé, ou um troço qualquer na alma e precisa de apoio pra continuar andando e seguindo em frente.
Olhou longe, bem longe perto do morro onde o vento fazia um grande barulho. Olhou, olhou para ver se a encontrava. E lá estava ela. Bem pequenininha, mas estava.
Aquela pontinha de esperança despontava no horizonte. Fechou o olhos e respirou fundo.
Já era hora de bater o cartão.

sexta-feira, 18 de março de 2011

a santinha

tinha saído há pouco do armazém. carregava uma sacola plástica com dois pães em um saquinho de papel, um (litro de) leite de saquinho e um saquinho de jujubas.
- é que me lembra a infância - costumava dizer.
tinha lá seus 25, 30 anos no máximo. mas aparentava bem menos. morava sozinha em um bairro distante do centro. tinha que pegar dois ônibus para chegar ao trabalho.
todo dia, pontualmente, às oito da manhã, abria o estabelecimento de venda de calçados e sempre tratava os clientes com um sorriso no rosto.
- assim eles sempre voltam para comprar comigo e minha comissão fica mais alta.
mas não gostava do ar condicionado ligado o dia todo na loja. aquilo acabava com a saúde de sua garganta e seus olhos ficavam secos. Costumava usar lentes porque os óculos, dizia, 'nunca me deixam bonita".
e então, um dia, noêmia teve um sonho que parecia mais do que real.
- eu namorava o mocinho da novela. pode? - e suspirava contando para as amigas.
foi então que noêmia começou a enlouquecer. via o mocinho da novela em todos os lugares o tempo todo. chegou até a dizer para as funcionárias da loja:
- meninas, amanhã vocês abrem o estabelecimento. o mocinho da novela me convidou para sair.
as pessoas começaram a ficar assustadas, mas noêmia não deu a mínima atenção.
- é inveja de mim - costumava dizer.
então um dia, voltando da padaria com os dois pães, o saquinho de leite e as jujubas, noêmia se deu conta do absurdo que estava vivendo.
- como assim? eu moro aqui e o mocinho da novela lá em outra cidade, longe daqui. que absurdo.
e quando todos pensaram que ela estava finalmente recuperando o bom senso ela diz:
- tenho que me mudar para lá.
e então que foi embora. pegou o primeiro ônibus e partiu.
deixou a casa toda apagada. só tinha uma luz, uma luzinha só acesa.
azul. intimista. daquelas luzinhas que dá vontade de ficar perto pra ficar quentinho. e a luzinha iluminava a santinha que noêmia tinha em casa.
uma luzinha fraca, mas ainda assim intensa.
e do lado da santinha um pacotinho de jujubas com os dizeres:
"se eu me casar com o mocinho da novela, nunca mais como jujubas".
e a santa sorriu. lentamente, mas sorriu.
eu juro.