quarta-feira, 5 de junho de 2013

Noite

E o único sorriso que tinha era um sorriso forçado. Arrancado à força, meio termo entre um dente e outro. Tal qual uma dentadura em um copo de vidro transparente com água: ri porque tem que rir. Apenas por isso.
E a noite que era a mais temida de todas chegava lentamente, junto com aquele sorriso forçado de tentar um bem-estar falso, uma alegria comprada em banca de jornal. E com a noite vinham todos os medos, um a um entrando e dando boa noite, porta à dentro. Mundo à dentro, noite à fora.
E era como se nada mais existisse. E os medos, um a um iam sentando lentamente ao pé da cama. E por mais que fossem muitos, cabiam todos. Apertadinhos, todos. Sorrindo.
E tentava dormir e a cama ia se tornando uma massa de pão a sovar, apertada, rodando, amassada, sem ar, socada. E nada mais importava.
Apertava ali perto daquele sorriso forçado uma dor amargurada da vida, da dor de ser quem se era e nem ao menos sabia quem era de verdade, do que gostava, do que queria e o que ia rir de verdade. Não sabia mais rir alto. Ria baixo, com poucos dentes.