segunda-feira, 9 de julho de 2012

A velha e o mar

As ondas que vão e vem no mar formando uma espuma branca e espessa iam tentando clarear os meus pensamentos pouco a pouco. No infinito, a tempestade que se formava ia de encontro ao mar, enfurecendo-o, fazendo as ondas ficarem cada vez mais altas, cada vez mais fortes.
A praia vazia denunciava o inverno que insistia em ficar, em queimar as bochechas e cortar os rostos. O vento gelado, apesar de dolorido, nos faz ver que estamos vivos, que somos feitos de carne, calor e frio.
A praia vazia tinha naquele dia quatro pequenos passarinhos em busca de alimentos que bicavam o chão, ia para perto e  para longe das ondinhas fracas que arrebentavam na beira da praia.
Foi nessa praia que sentei. A escadaria íngrime tinha muito a ver com a vazão rápida dos meus pensamentos: era preciso tomar cuidado ao pensar, assim como descer aquela escada, pensar muito rápido era perigoso. A cada olhar para o mar uma reflexão, uma dor, um consolo. Eu estava como a praia gelada daquela tarde: vazia. Pensando no futuro, nas dores do passado, nas alegrias que condicionavam um seco presente.
Nesse momento, seis surfistas chegaram. O mar vazio e as ondas altas eram um convite para que entrassem no mar gelado, desafiando algo interno muito forte, acredito eu.
E meio a descida dos surfistas para a orla, uma senhora velha que andava de bicicleta parou na minha frente e disse que precisava falar comigo, que era urgente. Perguntei o que ela queria, se eu podia ajudar e ela disse:
- Ninguém acredita em mim, mas é verdade e eu preciso te falar: está vendo esses surfistas? Pois é, minha filha, eu vi. Eu vi sem ninguém me dizer. Eu saí de casa hoje com isso na cabeça. Minha irmã diz que sou louca que não devo falar nada, mas sei que para você eu posso falar: um deles vai morrer. Vai ter um afogamento.
Olhei desconfiada, assustada ou, na melhor das hipóteses, pasmada. Quis rir, mas depois pensei que isso poderia ser um sinal de desrespeito. Tentei acalmá-la. Ou me acalmar. Não é toda hora que eu recebo uma notícia dessas em primeira mão. Você está sentado em algum lugar, perdido em pensamentos e alguém vem contar que a morte está perto. Oras, disso que já sei. Mas te anunciam a morte, o cenário fica diferente.
- Entendo a senhora, pode deixar que vou ficar de olho neles.
- É verdade, fique de olho. Um deles vai se afogar, o mar está muito bravo.
Olhei novamente para o mar, os surfistas haviam entrado. O vento insistia em balançar meus cabelos, em tampar a visão dos meus olhos.
As ondas continuavam a ficar agitadas, mas eu já não tinha muito o que fazer. Fiquei ainda, por meia hora, olhando os surfistas. Via ao longe seis pequenos pontos pretos que iam se arrastando na correnteza, junto com a maré. Sem perceber, eram carregados de um lado para o outro, conforme o vento queria, conforme o mar desejava.
Nenhum deles se afogou. O que afogou, o que invadiu de verdade, foram os meus pensamentos, os meus anseios que insistiam em formar ondas dentro de mim.
Olhei para frente e o mar continuava a se movimentar. Independente da minha vontade, da vontade de velha ou dos seis surfistas, o mar não ia parar, as ondas iam insistir até fazer Sol novamente, até a maré abaixar, até o vento sentir que não tinha mais para onde ventar, para onde espalhar os tormentos.
Naquele dia, quem estava afogada era eu.