terça-feira, 28 de junho de 2011

Domingos

O homem tinha nome de dia da semana. A mãe, muito crente, lhe deu esse nome por ter nascido mesmo em um domingo, como dizia a velha, "abençoado de Deus".
Domingos gostava de sair para ver as pessoas. Não fazia muito isso porque não tinha tempo. Entre cuidar dos avós e da mãe doente, tinha os afazeres de casa.
A época que mais gostava era o inverno, seguido nessa ordem pelo outono, pela primavera e pouco do verão.
- Chove muito e tem trovoadas, tenho medo - costumava dizer.
No inverno, Domingos gostava de se sentar ao sol e descascar uma tangerina. O cheiro da fruta ficava em suas mãos e mesmo que não comesse todos os gomos, ia até a cozinha, voltava para a cadeira da área e lá ficava descascando a tangerina.
- É a minha fruta preferida.
Domingos tinha uma paixão secreta, Irene, sua vizinha da frente. Moravam na mesma rua há alguns anos, desde que Domingos tinha 15 anos e Irene, 13.
Hoje, com quase 50 anos, Domingos achou que era hora de se declarar a Irene. Não que não tenha sentido vontade antes, mas nunca tivera coragem para tal ato.
Irene, por sua vez, mimava Domingos com bolos de cenoura e fubá, seus preferidos. E pegando tangerinas no sítio do tio Alencar para trazer para o amigo.
- Toma, trouxe para você - e saía com um sorriso tímido.
Irene também nunca se casou. Nunca quis.
- Isso não é para mim - dizia.
Então que Domigos colocou seu melhor terno, penteou o cabelo, passou um gel e com um vasinho de margaridas atravessou a rua.
- Boa noite, Irene.
- Boa noite, Domingos.
- Vim lhe trazer isso e....
- ....
- Bom, e não sei mais o que dizer.
Domingos suava frio, o cabelo milimetricamente penteado agora ficava colado no suor da testa que gota a gota fazia Domingos piscar, como se fosse um tique.
- Domingos, obrigada.
- Eu te amo, Irene, sempre te amei.
- ...
Ruborizada, Irene pediu que Domingos sentasse, lhe ofereceu uma água e lhe fez um agrado no ombro.
Domingos sorriu.
Mas sem que se desse conta, Marlenona, a amiga de Irene chegou.
- Olá Domingos.
- Oi Marlenona, vim aqui para....
 E então viu que Marlenona abraçou suavemente a cintura de Irene. Eram um casal e Domingos não percebeu.
Pediu licença, desculpa, sorriu e atravessou a rua de volta para casa. Estatelou-se na cama com os olhos esbugalhados, olhando para o teto do quarto, querendo ver além.
- Como não percebi antes? - questionou-se.
Era domingo à noite e Domingos ligou a televisão.
Passava Fantástico e o com a voz de Cid Moreira um novo quadro "Mistérios da Vida".
Domingos sorriu. E chorou ao mesmo tempo.
Seu coração estava dilacerado.
Pobre homem.

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