segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sobre a 15 de Novembro

Na cidade que eu moro, Marília, tem algumas ruas com nomes de datas como por exemplo a 9 de julho, a 24 de dezembro e a 15 de novembro.
Ao longo dos anos me questionava porque algumas ruas tinham nomes de datas e não necessarimente de santos ou pessoas, tendo em vista que temos a Rua São Luís, a Rua Santo Antonio (onde tinha um sebo de livros que era minha diversão nas férias da infância), a Rua Pedro de Toledo e assim vai.
Pois bem que ficava me questionando isso e as ruas com datas são as mais antigas da cidade. Me lembro muito bem da 9 de julho com suas bancas de revistas abertas onde íamos quando a gente era criança com o meu pai.
Era interessante porque na época que eu era criança não tinha livrarias na cidade e nas sorveterias não existia o "self service". A gente chegava na banca que ficava na 9 de julho e comprava figurinhas, revistas de quadrinhos e ia na sorveteria que ficava na 24 de dezembro e escolheia a bola de sorvete. Um sabor ou dois. Quando a gente podia escolher dois, entre cinco, como côco, chocolate, creme, morango e uva, era um luxo.
Pois bem que a rua 15 de novembro sempre me intrigou. Eu achava a rua mais antiga da cidade, apesar de não ser. Com casas antigas e altas e muros baixos. E algumas pequenas lojinhas de comércio. Uma loja de armarinho, uma sapataria.
Era lá que tinha o mercadão municipal, com aquários que eu achava o máximo e com um cheiro de flor que até hoje lembra minha infância. E o pastel do Hirata onde às vezes, para comemorar o fim do semestre nas escola, meu pai e minha mãe levavam a gente. Pastel com coca-cola. O dia estava ganho.
E a cidade foi crescendo e eu também e novos espaços foram se abrindo.
E hoje, na 15 de novembro, nas esquinas, ao invés de pequenas lojas fechadas ou casas antigas com luzes intimistas acesas à noite e o mercadão iluminado, o que mais podemos encontrar são mulheres de programa, vulgarmente conhecidas como prostitutas.
As pessoas passam de carro e buzinam, gritam nomes estranhos, falam besteiras. Como se fossem animais. Como se as mulheres na esquina fossem animais. Os donos dos carros, gritando e com cervejas nas mãos dirigindo carros, geralmente são animais disfarçados de gente.
Mas a questão é que essas pessoas ficam na esquina, com roupas curtas, algumas vezes sentadas, algumas vezes dançando, outras vezes atendendo o cliente no carro.
E eu pensei o que leva alguém a se prostituir, a usar como ferramenta seu próprio corpo. Faça chuva ou sol, lá estão todos, na esquina. Penteadas, bem arrumadas, maquiadas.
À espera de um carro, um programa e um dinheiro. Ou um milagre de encontrar um Edward a la Julia Roberts em "Uma linda Mulher".
E quando me dei conta que estava pensando isso, pensei o elas podiam pensar das outras pessoas:
"o que leva alguém a estudar, fazer mestrado, acordar cedo todo dia e ir para o trabalho até as seis da tarde? o que leva alguém a prostituir seu cérebro?"
E eu conheço um monte de gente que faz isso, que prostitui o cérebro e a própria vida.
e então fui embora, ouvindo gritos de motoristas com seus carros importados que passam por lá sem ter o que dar para essas mulheres além de um xingamento gratuito.
Muitas pessoas passam por lá e enxergam esquinas vazias de seres humanos. Eu vi uma esquina cheia de pessoas como eu e você que nasceu, cresceu e deve ter tido sonhos na vida, medo e mais uma porção de outras coisas.
E quando as pessoas passam e gritam e xingam é como se a rua 15 de novembro perdesse seu nome à noite, perdesse sua identidade, numa leitura emprestada a novos prazeres, a novos nomes e datas das pessoas que ali estão.
E outra história, todos os dias começa ali a cada noite, a cada dia que não necessariamente o dia 15 de novembro.

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