quinta-feira, 30 de setembro de 2010

a mulher carente

todos os dias ela almoçava no mesmo restaurante. todos os dias. conhecia as pessoas de lá, da moça do caixa ao senhor que cuidava dos carros. bom dia, dizia ao entrar. E entrava se sentido em casa. todos a cumprimentavam pelo nome. olá dona alzira, bom dia. e por isso ela se sentia bem. tinha lá seus 60 e poucos anos. cabelos escuros, mais para o tom marrom, que foi o que pediu ao cabeleireiro que já cuidava do seu cabelo há nos. todos os dias dona alzira chegava ao restaurante e já tinha seu lugar cativo. viúva, não quis ter filhos. teve dois sobrinhos que amou muito, mas que haviam mudado de cidade quando crianças. dona alzira se sentia muito sozinha. sentava em uma mesa de apenas dois lugares. o outro lugar,é claro, ficava sempre vazio. e ela conversava com quem estivesse perto. oi, posso pegar seu bebê no colo? oi, que bonito o seu sapato! oi, come a abobrinha recheada, está uma delícia. e assim passava os almoços. na hora de pagar sempre lembrava que havia esquecido de pegar a marmita da janta. e voltava a se sentar e a conversar com as pessoas. sorria. mas não era um sorriso verdadeiro. ninguém sentia isso. era um sorriso de carência, daqueles sorrisos que precisam sempre de aprovação de alguém para que possam continuar sorrindo. se o outro não sorrisse de volta era um deus nos acuda. um dia acusou a pobre garçonete. te fiz algo, por acaso? e chorou compulsivamente. dona alzira chorou. a garçonete não. estava ocupada demais pensando se valdinho, seu namorado havia lhe traído. daí o mal humor da menina. dona alzira pegou então a marmita e um pedaço de bolo. é pra sobremesa, justificava. mas daí lembrou-se que tinha uma vizinha nova no prédio. para agradá-la, já que era carente, levou mais um pedaço de bolo. chegou ao prédio onde morava com o gato Lambida (ela o chama assim: lambida, vem cá) e passou no apartamento da nova vizinha. qdo esta abriu a porta, dona alzira percebeu o apartamente estava cheio de gente, de amigos e visitas. e então dona alzira se sentiu mais só e subiu, pé ante pé para o segundo andar que é onde morava. ao sentar para ver tv teve um mal súbito e morreu. deixou no testamento que queria ser enterrada junto ao marido. é que ela era muito carente mesmo. e pensou que na morte também seria assim.

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