terça-feira, 20 de julho de 2010

despedidas

- amor, já vou. eu não respondi. ela pegou a bolsa, enrolou um pouco, procurou algo dentro, olho para mim e disse: - ai, esqueci uma coisa. subiu as escadas correndo, pé ante pé, fazendo barulho com o tamanco, o que me deixava completamente irritado. eu continuei deitado, ouvindo música. mexia no umbigo como quem estava fazendo algo muito importante. na vitrola o vinil do Clube da Esquina N. 2. Meu preferido. "você pega o trem azul, o sol na cabeça..." eu estava deitado olhando para a parede. assim, quase que mudo. quando ela desceu novamente, colocou algo na bolsa e disse, obviamente esperando uma resposta: - amor, vc está me ouvindo? eu já vou. murmurei algo, mas não sorri. nem disse tchau. A Maíra me irritava, sabe? Há tempos que nossa relação não estava boa. bateu a porta e entrou no carro. o portão abriu e eu me debrucei a chorar. copiosamente. se meu pai me visse chorando do jeito que chorava iria dizer com aquela voz rouca: "meninos não choram, guri". - o que é que está acontecendo comigo? - me questionei enquanto limpava as lágrimas na almofada. me questionava o tempo todo sobre a nossa relação, o que eu buscava pra mim e quem era eu naquele amontoado que se tornou nós, afinal, sete anos juntos não era pouca coisa. era uma boa parte da minha vida que eu via escorrendo pelo ralo, indo para um buraco no qual não dava mais pra alcançar e para pegar nada. E a gente teve tanta coisa boa junto, tantos sonhos, nossos gatos, nossos discos e livros. E agora, a coleção de DVD e de livros do Chaves. - O meu preferido é o Seu Madruga - ela dizia enquanto discutíamos o porque da vila só aparecer de um ângulo na televisão. Leventei e fui para nosso escritório, ficava perto da garagem, numa sala bonita e bem iluminada. na estante, quilos de livros, mas principalmente de histórias em quadrinhos. em todos os lançamentos a gente estava junto. - Meu deus do céu, são sete anos juntos. Sete anos! fui guardando os que eram meus. Mas enquanto eu mexia nos livros, fui percebendo que não sabia mais quais eram meus e quais os delas. Compramos juntos também todos aqueles dvds. E a horta que já estava crescendo no quintal, também era nossa. - E quem vai ficar com a horta? - pensei alto. Não tinha porque discutir aquilo agora. Eu tinha que sair logo daquela casa, levar minhas tintas, minhas pinturas, minha mesa que era feita com uma porta antiga. ideia da maíra. - combina com vc, pedro - ela me disse sorrindo - a gente coloca essa porta aqui pra vc pintar. Além da porta, tinha uma parede que estava toda colorida. Era a nossa parede de ideias e sonhos. Tinha a gente na Europa, tinha a gente junto, tinha nossos labradores. Tinha tudo. Só naõ tinha o que procurar mais porque tudo, tudo que estava naquela parede já não era mais meu.nem dela. era desse casal neurótico,ciumento e inseguro que a gente se tornou. acho que nessa vida, nessa busca que a gente teve, acabamos nos perdendo em quem éramos, no que gostávamos. os gostos foram ficando iguais e isso bem que acabou um tanto com a possibilidade de eu ver quem eu era em meio a esse turbilhão, essa paixão eu que sentia por ela. e a paixão é assim mesmo. essa loucura, essa coisa do eu caso com vc, eu te quero pra mim, essa necessidade de posse, de pertencimento. e eu preciso de me afastar disso, eu preciso. é quase como um vício a gente gostar de alguém. e justamente eu, que sempre me protegi disso. - eu nunca vou namorar ninguém. mto menos casar. cá estou eu. tentando tirar a maíra de dentro de mim, da minha mente, dos meus pensamentos.tirei os livros das estante. um a um. coloquei minhas roupas na mala. mas ainda tem muito para tirar daqui. e eu não sei se vou conseguir. o que eu queria mesmo era fazer isso logo, urgente. pra ontem. não quero que ela me veja saindo. não quero ter que me despedir. juntei td sem dobrar, tudo que era meu. escrevi um bilhete. "desculpa". e coloquei em cima da mesa. abri a porta violentamente e voltando meu olhar pra dentro de casa, vi a nossa foto em cima da estante. sorrindo na praia. eu sentado e ela me abraçando. linda. iluminada. peguei minha chave e quando fechei a porta o telefone tocou. - caralho - resmunguei. - alô. ... - é ele. ... - de onde? como assim? ... - já estou indo praí! a maíra se despediu antes de mim. quando cheguei ao hospital, peguei levemente sua mão. - Pedro, eu já vou amor, vc está me ouvindo? fechei os olhos.

Um comentário:

lídia disse...

Nas três vezes que lí,arrepiei.Muito bom!