sexta-feira, 20 de maio de 2011

O sabor das palavras

Desde que era criança, que aprendi a ler e a escrever, eu gosto de pensar em palavras. Não as palavras no seu sentido exato, mas o sabor que cada palavra tem. Eu gostava de ler tudo que me caísse nas minhas mãos. Desde bulas de remédios, até placas de homenagens a velhos conhecidos da cidade e placas de carros. As placas de carro eram algo curioso porque eu sempre fui péssima em matemática. Mas eu gostava de ver as três letrinhas e inventar uma frase com elas. Era legal, era interessante.
E eu gostava de dar nome para as coisas. Adorava inventar. Tudo tinha que ter um nome que eu achava legal, mas não necessariamente um nome de gente.
Gostava de inverter os nomes também pra ver como ficavam: chamava a cadeira de mesa, a mesa de armário e assim por diante. que cara tem a mesa? porque ela se chama mesa? se eu chamar ela de armário muda alguma coisa? quem inventou isso? e lá ficava eu horas pensando nisso.
e tinha (tenho) paixão pelos livros.
na minha infância a gente sempre teve muito livro em casa. quando eu me formei no pré e aprendi a ler, minha mãe me deu uma coleção inteira de livros e, assim como a caixa de gibis dos anos 1970 de meu pai, eram meus brinquedos preferidos.
gostava de ler e brincar com aquilo. de escolinha, do que fosse.
e os livros tinham nomes também. eram meus amigos.
mas quando eu digo que penso em palavras, acho que elas têm sabor.
digo isso porque sinto gosto quando falo algumas. por exemplo, acho que a palavra "marshmallow" tem gosto de nuvem. eu nunca comi uma nuvem, mas desde criança eu acho isso. e a palavra nuvem para mim tem gosto de algodão doce. e eu adoro repetir essa palavra: algodão doce.
talvez pela puxada do doce. ou pela doçura do algodão que a gente fala de boca cheia, com vontade mesmo.
e assim as palavras iam tendo gosto pouco a pouco. a palavra canela para mim nunca foi a canela do nosso corpo porque ela tinha um sabor e um cheiro. e é legal falar "canela". tem dois "as" o que faz com que abramos a boca duas vezes e fica bonito. gosto das vogais. e o gosto da palavra canela não era de canela, mas de um lugar bem bonito. doce também.
eu prefiro as palavras doces. as mais doces possíveis.
beijo é uma palavra que me encanta. acho que ela tem um gosto imenso e a sonoridade dela me faz bem. preste atenção: beijo.
é uma delícia de dizer.
e isso se deve a nossa língua portuguesa. experimente dizer beijo em inglês: kiss. que sem graça. "kiss". não tem gosto de nada essa palavra.
mas beijo tem gosto, sim.
assim como a palavra amor. amor tem um gosto bom também, que lembra um doce sendo feito no tacho, sendo apurado, porque você fala "amor" e o som continua no ar, como o cheiro do doce. "amor". a língua enrola, e a palavra continua.
uva é outra palavra que gosto muito. a gente diz puxando para dentro a palavra, como se estivesse sugando de alguma forma a fruta também. e daí a palavra fica mais gostosa ainda.
eu sempre senti as palavras como algo muito próximo a mim. como coisas que eu comia. devorava. sons que me encantavam. eu gostava de ouvir as pessoas falando olhando para a boca delas. como a palavra saía de cada um. que entonação a pessoa dava e como eu recebia. que som saía daquilo que eu dizia, que o outro dizia.
e ainda hoje sinto isso. determinadas palavras têm gosto. um gosto bom.
assim como a palavra saudade que tem um gosto de algo que ainda está dentro da gente. do nosso coração. um gosto doce. o mais doce possível. que constrasta com aquele amargo que fica no nosso peito quando lembramos de quem nos lembra essa palavra.
saudade é uma palavra bonita. tem gosto de abraço. de afago. de beijo. de marshmallow. de sorriso com olhos fechados e uma profunda puxada de ar, de fora para dentro. para completar aquilo que nos falta.
e assim, é doce. feito caramelo. feito aquela infância doce cheia de palavras comestíveis. gostosas.