quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Caixa de Papelão

Quando eu era criança, tinha uma brincadeira que eu adorava: era pegar as caixas de papelão velhas e usar como escorregador em montes que tinham grama. Para mim, esses montes eram como pequenas montanhas. Geralmente, a gente encontrava desses na igreja que era construída numa espécie de buraco, entende?
Ao redor da igreja a gente tinha pequenas "montanhas" em que no topo (no máximo de um metro, o que já era alto para mim) a gente colocava o papelão rasgado, sentava em cima e descia escorregando. Era uma boa diversão infantil para uma infância onde não havia computadores, onde a gente brincava na rua e nas encostas das igrejas que ainda não tinham grades - hoje existentes para que os "pagãos" bêbados e excluídos não entrem.
Dessa forma, eu comecei a achar muito legal o uso do papelão e dessas caixas que vinham cheias de coisas dos mercados ou nos mercados.
Um dia, quando eu ainda era criança, a vizinha disse que a cachorrinha dela tinha dado cria e chamou aquele bando de crianças da rua para ver os filhotinhos. Era um mais lindo do que o outro. Depois de muito insistir, consegui que meu pai deixasse a gente ficar com um. Pegamos um preto e branco, muito bonitinho. Colocamos o nome de Snoopy porque ele parecia mesmo o cãozinho do Charlie.
O Snoopy era muito pequeno e ficava no banheirinho de casa numa caixa de papelão forrada de papel jornal. Tinha água e comidinha e a gente dava leitinho para ele.
Era legal chegar no quartinho e ver a caixa de papelão com o Snoopy tão pequenininho dentro.
E então que hoje eu descobri mais um uso para uma caixa de papelão.
Enquanto eu passava na rua, vi uma senhora simples, muito simples, pouca roupa e a que tinha estava um tanto rasgada. Ela tinha o cabelo sujo bagunçado pelo vento frio que fazia na tarde de hoje e estava a alguns passos da esquina onde passava, sentada na calçada. Era uma senhora com a pela negra, tão negra como parecia ser o mundo onde ela vivia.
Ela brincava e ria muito para dentro de uma caixa de papelão. Achei a cena no mínimo curiosa e me aproximei, passando em frente. E qual foi a minha surpresa quando percebi que dentro da caixa de papelão tinha uma criança, um bebê de alguns meses acredito.
Ele brincava com uma bolinha de papel em cima de alguns jornais.
E naquela cena, naquele instante debaixo de um Sol alto e um céu azul, me pareceu que o destino daquela criança se traçava. E eu vi que a caixa de papelão que usei para descer sorrindo as pequenas montanhas atrás da igreja, a caixa de papelão que vinha com as coisas de mercado, a caixa de papelão que usei para colocar o meu cachorrinho recém-nascido, agora também podia ser usada como berço para aquela criança que eu não sei dizer de sexo era. Nem se terá futuro.
A caixa agora estava com outra característica: de uma manjedoura muito simples mesmo, mas não onde a esperança nascia, mas onde ela agora morria.
E a mulher sorria para o bebê dentro da caixa de papelão enquanto as pessoas, apressadas em seus pensamentos vazios, passavam.

Um comentário:

Carina Queiroz disse...

Profª Lidia mais uma vez me surpreendeu, me vi em seu texto e me emocionei com o final, que infelizmente faz parte do real mundo em que vivemos. Adorei te conhecer e estarei sempre por perto.Abraços saudosos!
Carina Queiroz (tang)- rh univem.