terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Roupas no varal

Pendurou a roupa no varal com delicadeza. O vento espalhava o cheiro do amaciante pela varanda e ia dançando com a roupa estendida e com a saia de algodão que Ana usava.
Os cabelos de Ana, presos em um coque, iam se desmanchando a cada roupa pendurada. Os fios molhados moldavam o cabelo da moça, fazendo graça com os fios ligeiramente soltos que teimavam em encostar no seu rosto e nos seus olhos.
A bacia com as roupas molhava o chão da varanda que deixava a água escorrer até a rua, formando um pequeno riozinho de água doce. O vento continuava a bater e Ana acariciava a roupa no varal como quem estivesse delicadamente decorando cada centímetro do corpo da outra pessoa.
Seus pensamentos vagavam com o vento, com os fios de cabelo soltos e a cada movimento para se abaixar e pegar a roupa, Ana sentia mais e mais vontade de chorar.
Tirou os chinelos e sentiu a água que escorria da bacia. Dedo a dedo, por todo o pé.
Voltou a sentir o cheiro do amaciante na roupa limpa, e chorou.
Quando voltou a si as roupas estavam manchadas de vermelho, um vermelho sangue. O riozinho de água doce estava respingado de dor e de lágrimas.
E o vento agora insistia em secar os olhos de Ana, insistia em tentar fechá-los de uma vez. O mesmo vento derrubou o lençol manchado por cima do corpo da moça e soprou forte, muito forte.
Mas nada mais havia de ser feito.
Os fios de cabelo estavam agora espalhados pelo chão da varanda que teimava em evidenciar aquele cheiro de amaciante por toda a casa.
Ninguém viu. Só o vento.

Um comentário:

Miss Lexotam disse...

E como descrever algo tão tocante de maneira tão delicada e sutil?
Coisas de Mafalda ^^'