sexta-feira, 29 de abril de 2011

Pé de pitanga

Não foi de repente não. Claro que não. Mas aos poucos foi sentindo um desejo inteiro, daqueles desejos que a gente tem que faz a gente fechar os olhos e pensar: imagina? Foi um desejo inteiro, que juntou o corpo e a alma de sair para ver o que acontecia no mundo.
Olhava no espelho e via algumas passagens, algumas rugas, uns fios brancos e um olhar voltado para outro espaço, para dentro. Tudo estava ordenamente fora do lugar. Ordenamente. Como se a ordem de estar fora do lugar é que realmente valesse. E isso a consolava e lhe mostrava que no meio do caos, daquele caos todo que foi aquela noite, que foi aquele dia, ela se vira próxima ao que pensava ser de si mesma.
Começou a buscar as raízes, daquelas raízes feito raízes de árvore fortes, tipo de um pé de jaca, fincada, para saber de onde veio. E invariavelmente, saber para onde iria.
Aquelas raízes lhe permitiam fincar o pé na terra ao mesmo tempo que deixava suas folhas ao sol, ao vento, a luz e a escuridão. E como era escuro. E podia estar Sol que muitas vezes era escuro.
Pediu um café. Sentou calmamente. Pegou aquele livro velho, com cheiro de livro velho e abriu. Na primeira página, uma dedicatória: para a minha mocinha.
E as mocinhas envelhecem. Cheirou o livro como se quisesse comer de novo a própria infância. Como se quisesse ir no quintal e ver as crianças jogando bola perto do balanço feito de cadeira de área. E o balanço balançava alto. Bem alto. E sentia o vento no rosto perto do pé de pitanga.
E viu que tinha que abrir os olhos. E viu que tinha que sair e ver o mundo. O outro mundo. Não aquele que já estava dentro dela.
'um mundo todo, todinho inteiro'.
E o vento estava no rosto novamente. E fazia frio.

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