terça-feira, 27 de agosto de 2013

Pé de Manga

Eram mais ou menos os dias quentes de um verão qualquer. A tarde quase depois do almoço, quase depois do sono ia chegando sonolenta, a passos lentos, como quem está com preguiça de andar no calor de um sol escaldante.
Embaixo de um pé de manga tinha uma sombra fresca, dessas tão frescas e tão boas que pareciam o suco de limão que a vó fazia, que parecia travesseiro fofo, que parecia lençol lavado e secando no varal, de tão fresca e de tão aconchegante.
O pé de manga ficava no sítio onde passávamos as férias da escola, onde a gente se distraía dos lápis, imaginando que ao invés de contas e cálculos, ele podia ser amigo da borracha e se tornar um herói, um lutador que salvava a canetinha rosa das garras de uma bic sem tampa. Nas férias de verão no sítio, perto do pé de manga, o caderno servia para servir as folhas para se transformarem em barcos de papel que iam, riozinho abaixo junto com as histórias que contávamos.
Nesse sítio e perto do pé de manga tinha uma casinha de madeira, dessas que a gente quer viver no verão porque tem frestas em todos os lados e dessas que a gente quer viver no inverno porque tem forno à lenha e um cheiro de bolo de fubá que toma os olfatos e nos faz fechar os olhos. Involuntáriamente.
Nessa casinha morava dona Nenê, uma senhora gorda, baixa, negra e que tinha apenas dois dentes e um sorriso largo. Sorria assim, com a alma toda, com o corpo todo quando a gente chegava e tinha lá seus sessenta e todos os anos.
Dona Nenê morava nessa casinha de madeira com frestas por todos os lados que eu via o vento entrar e insistir em dançar com o fogo do fogão à lenha. Eles dançavam nesses dias de calor de um lado para o outro. O pouco vento que entrava tocava gentilmente esse fogo, como se pedisse a honra de poder dançar. E era tanto desejo que a lenha estalava pequenas estrelinhas de calor que eu imagina ser o amor de ambos, a necessidade que tinham de terem um ao outro.
Nas férias no sítio ao pé de mangueira, Dona Nenê nos vinha servir um sorvetinho que ela fazia em modestas forminhas de gelo. Sorvetinho feito de água, açúcar queimado, côco ralado e leite. Eu ainda hoje sinto o sabor desse sorvete lambido com a alma infantil que eu tinha e com o vento tocando os cabelos, emaranhando-os aos poucos, roubando e levando o perfume do shampoo aos quatro cantos.
Nessas férias de verão, o pé de mangueira era a nossa casa. E ali a gente morava, fazia casinha, bolinhos de terra e sentia que nada, nada de ruim no mundo poderia nos acontecer.

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