sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Deus Dará

"Deus é um cara gozador,
Adora brincadeira"

A música "Partido Alto" de Chico Buarque tem vindo muito a minha cabeça nesses dias. Eu sempre fui uma pessoa de fé, no sentido literal da palavra. Cresci em uma família católica, fui batizada, fiz catequse, fiz crisma, participei de grupo de jovens da igreja e veja bem, até dei aula de catequese. É, eu também não acredito que fiz isso, mas faz parte da minha história, não tenho como negar.

Eu tenho até nas minhas lembranças de infância uma discussão muito importante que acontecia em casa aos domingos, talvez a primeira grande escolha que tive que fazer na minha vida: como todo bom católico, domingo é dia de missa.

Não importava a idade, o tempo, o vento, aos domingos lá ia a família Basoli toda para a missa. A minha primeira discussão, se bem me lembro com os meus pais (sim, houve outras) era que dia de domingo era dia de ir à missa. Eu podia escolher que horário queria ir: tinha a missa das nove da manhã e das sete da noite.

Na verdade, de domingo eu queria ficar dormindo, eu não queria ir à missa e à noite, sete horas passava o programa "Os Trapalhões". Ah, belo anos 1980...

Está bem, serei sincera: a discussão principal para mim era que de manhã também passava o programa da Disney com desenhos do Mickey e do Pato Donald (Indústria Cultural) e eu tinha que escolher: ou ia na missa de manhã pra ver "Os Trapalhões" à noite ou via os desenhos da Disney e ia à missa à noite e perdia "Os Trapalhões".

Foi um grande dilema na minha vida. E me lembro mais ainda que preferia que a gente ficasse em casa, todos, tomando café da manhã e conversando do que ir à missa. Mas que enfim eu preferia ver "Os Trapalhões" e acordava cedo indo à missa. As pessoas achavam lindo a família Basoli inteira na missa, todos os filhos, sentadinhos, ouvindo o padre.

Eu achava um porre. Ficava quieta, sentada observando as pessoas e inventando histórias. E o que era aquilo que as pessoas comiam? Eu queria era ver o gosto daquele pãozinho e um dia eu tive a blasfêmia de perguntar se passavam patê antes de servir paara aquela fila de gente...levei um esculacho. rs

Mas enfim, contei essa história porque hoje me veio à cabeça novamente a questão da fé, de acreditar em Deus. Sério, eu não duvido que possa haver, existir algo maior que nós. Excumuguem-me cientistas! Mas não sei, penso em Deus como um cara gozador, tal qual Chico descreve na música.

Ao acordar hoje, ouvi na janela de casa uma senhora no celular conversando. Ela dizia para amiga:
- Mas é assim mesmo, Deus qué que seja assim.
- ...
- Eu sei, mas Deus é que sabe.
- ...
- Deus é mais, Deus é maior e há de prover.
-...
- Fica com Deus você também.

Eu sou uma pessoa que também falo isso. Tal qual um mantra, acho. Deus é uma palavra bonita. Mesmo. Falar para alguém "Fica com Deus" acalenta um tanto nossa alma. Dá uma sensação de proteção de que se eu estou longe, Deus que cuide. Algo assim. Eu sempre falo isso para os meus irmãos: Fica com Deus. Talvez por amá-los muito.

Mas eis que pensei nisso e imaginei: bem, Deus está ferrado. Tem um povo imenso aí pedindo, pedindo, pedindo. E como eu sempre imaginei ele como um cara barbudo, barrigudo e meio gozador, penso que nessas horas ele olha e diz: Caralho, tenho coisa pra cacete pra fazer.

Está todo mundo pedindo algo: força, saúde, dinheiro, emprego, amor, proteção e que Deus cuide, que Deus dará e etc. Um vez li um livro da Carol Bensimon "Pó de Parede", em que o primeiro capítulo "A Caixa" a personagem Alice questiona a situação das nossas escolhas: se é assim é porque Deus quer. E ela questiona isso discutindo a questão do destino, se é assim é porque estava escrito e etc.

E eu parei para pensar nisso hoje.

Deus está ferrado. Tem um mundo aí cheio, cheio de problemas. Gente morrendo, gente se matando. Guerra, morte por fome, morte por morte e tantas outras questões. E eu lembrei dessa música ao imaginar que Deus é um cara gozador e adora brincadeiras, pois pra me botar no mundo tinha o mundo inteiro.

E eu questiono meus pais e pergunto "Porque vocês não ficaram na Europa? Porque vieram para o Brasil e eu tive que nascer aqui? Eu podia estar morando na Suécia agora, na Suíça..." e daí me lembro que, bem, pode ter sido Deus. Deus quis assim e há de prover o que eu necessito.

Ahã.

Mas eu acho que antes da gente vir pra cá, deve ter uma escolha no céu, ou sabe-se lá Deus onde, onde a gente mesmo escolhe o que a gente quer: quem vai ser nossos pais, irmãos, onde vamos nascer, o que vamos fazer e etc. E eu imagino esse lugar com várias, várias filas inteiras em que as pessoas ficam paradas esperando pra receber seu dom.

Por exemplo, tem a fila da beleza. Um monte de gente está nela, mas do lado, tem a fila do "bonitinha, mas ordinhária". E uma galera dessa fila da beleza, cai nessa outra fila e vem pra Terra assim. Vem bonitinha, mas ordinária.

Tem também a fila do sucesso, no qual Gisele Bunchen entrou por vias ilícias três vezes. Eu entrei nessa fila também porque sou do mesmo ano que Gisele nasceu, mas ela me empurrou, lembro claramente para a fila do esforço. E eu nasci bem, bem esforçada. Eu sou uma pessoa esforça. Tenho certeza que esse é o meu dom.

Tem a fila dos sem vergonhas, no qual muitos políticos se infiltraram sem vergonha alguma e entraram umas 20 vezes pedindo esse dom. "Deus, quero ser sem vergonha, cara de pau".

E por aí vai. Daí eu imagino que Deus, esse cara gozador, fica em um escritório, no canto, bem no canto, perto da saleta do café protocolando pedidos que chegam aos milhares. Ele olha, analisa e vê se vai conceder a benção ou não. Os meus pedidos sei que estão numa pasta vermelha, perdidos

Quando chega algo que eu peço Deus olha e diz: Ai Lídia, por favor.. dá uma risadinha de deboche e deixa no canto. E assim vai.

Ele olha da janela desse escritório para a Terra e pensa: porque raios eu dei o livre arbítrio pra esse povo? 

Deus é um cara gozador mesmo. Mas há de prover. Isso há.
É só ter fé.

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