quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Transeunte, o filme.


Hoje assisti "Transeunte", o novo filme do Erik Rocha, o filho do homem. Fui ao cinema pensando em ver um filme num estilo e numa estética completamente diferente do que assisti.
Vamos aos poucos tentar falar desse meu mais novo filme preferido. 

Quando li a sinopse (as sinopses nunca são boas, nunca. eu queria conhecer alguém que faça sinopses) eu li a história do Expedito, um senhor que transita pelas ruas do Rio de Janeiro. Até aí, tudo bem. Mas ninguém me falou que eu ia ver um filme quase mudo, onde o mais bonito seria o olhar do Expedito, que vive uma vida esperando, até certo ponto, por uma morte que o fará reencontrar a esposa já falecida.

O taciturno Expedito não ri nem quando a doce sobrinha lhe leva um bolo e um presente no dia de seu aniversário. Não agradece, não sorri na foto e tem um olhar de quase querer morrer de tédio, de tristeza, de falta de sentido na vida. Passa os dias a tomar remédio, ouvir o radinho de pilha com fone de ouvido e a dormir no sofá. 
Na boa, quem nunca sentiu isso uma vez na vida que atire a primeira pedra. Expedito é, até certo momento, aquilo que o Brasil, os brasileiros têm se tornado diante do resto do mundo: um transeunte, aquele que passa e não permanece, não deixa nada e não transforma nada.

Expedito vai então a um jogo de futebol no estádio e assim como um milagre do santo das causas impossíveis que tem o seu nome, grita, sorri e sente euforia durante o jogo. É aí que o filme muda completamente. Como se fosse um vinil antigo, com as músicas que Expedito mais aprecia, o filme muda do lado A para o lado B de um jeito tão poético e tão bonito, que até a imagem de um simples corte de cabelo enobrece a tela em preto e branco e a faz, sem que nós percebamos, ficar colorida.

Expedito toma um bom banho, corta o cabelo, compra óculos novos, descobre um bar em que as pessoas riem, cantam canções belíssimas de Lupicínio Rodrigues e tantos outros e descobre o prazer carnal. Não vou contar mais do que isso, senão o filme perde a graça.

O interessante mesmo é que Erik, o filho do homem (filho da fotógrafa Paula Gaitán e de Glauber Rocha), faz um filme em que o som e a imagem comandam os movimentos quase lentos de Expedito, bem como seu jeito desconfiado de andar. O silêncio no filme é ouro e dessa forma, o que temos em tela é um pote de riquezas sem fim. Num primeiro momento, nos incomoda aquele silêncio quase de morte de Expedito.
Depois, em duas horas numa sala escura vendo um filme em película em preto e branco o que temos são as palavras que acompanham as imagens em silêncio, sem precisar dizer o que o olhar do doce Expedito diz, lemos seus lábios, seus sentimentos, suas dores e amores de um jeito único. Como se estivéssemos próximos de um amigo. E em determinados momentos do filme, sorrimos sozinhos querendo simplesmente dizer, "ah Expedito..."

Bela música, uma montagem de tirar o fôlego, uma fotografia incrível, onde até mesmo a bolsa dos olhos de Expedito aparece e um preto e branco que ao invés de nos incomodar nos transporta para o mundo silencioso de Expedito, fazem desse filme do Erik uma "tela e transe".
Assistam se puderem, vale a pena ver essa película, essa preciosidade do cinema nacional, que vai muito além do que vemos "globalmente" nas telas do cinema do país. O cinema nacional é muito mais do que atores de novela. Acreditem.


Um comentário:

Anônimo disse...

Linda crítica, que afunda e chega em vários pontos nevrálgicos desse filme do Eryk. Muito Obrigado por essa vivência e leitura do Transeunte.
Miguel Vassy