sexta-feira, 12 de agosto de 2011

uma pitada de vermelho

um dia me falaram que eu não podia pintar o céu de verde.
- O céu é azul, menina, não verde. Onde já se viu...
E eu gostava de verde e gostava de azul e de vermelho. E gostava de brincar com cores e ver um mundo todo colorido de cores diferentes.
Mas aos seis anos vi o meu céu pintado inteiro de preto. Inteirinho. Mesmo sem ter a palheta de cor, meu céu ficou escuro, escuro assim que nem mar bravo sabe?
E eu acordava à noite, entre cinco e quatro da manhã. (sim, para mim o cinco podia vir antes do quatro porque minhas horas estavam indo do fim para o começo). Acordava e ficava ouvindo o silêncio ensurdecedor que a rua tinha. Tentava a todo custo ouvir pelo menos o barulho das folhas da árvore dançando com o vento. Mas o vento, quando vinha, estava derrubando as folhas e não dançando com elas.
E isso me assustava.
Eu tinha medo e assustada, colocava minha cabeça no travesseiro como se assim conseguisse, num passo de mágica, ficar invisível. "com a cabeça aqui ninguém vai me ver".
E pim. Ninguém me via. Nem eu.
Foi então que vi que o céu pintado de preto ficava mais bonito se eu pintasse umas pintinhas coloridas. E assim eu ia vivendo minha vida e ia contando histórias e pintando o céu.
de verde não, que não podia.
Mas de vermelho, da cor do sangue e da vida que ainda corria em mim, podia.
E eu brincava com todas aquelas mulheres vestidas de branco e ria dizendo se teria que continuar tomando remédio.
- Sim, Larinha. Tem sim.
- Mas tia, isso dói.
- Sabemos Larinha, mas não tem outro jeito. Vamos imaginar que isso é um remedinho mágico que vai te deixar brincar de novo na rua e pintar de todas as cores a sua vida...
Então eu me encolhia na cama, sentia dores e tinha vontade de ir ao banheiro. Ficava um pouco de uma aguinha entrando dentro de mim. Eu não sabia o que era aquilo. Mas doía, injeção doía muito.
A minha mãe costumava pentear meu cabelo quando eu tinha seis anos. Ao sete, ele fazia carinho em uma cabeça careca, mas ainda assim, cheia de ideias. Minha mãe dizia que eu estava linda assim e que aquilo lembrava ela de quando eu era menininha e não tinha cabelos.
Mamãe segurava minha mão e dizia:
- Vai passar filhinha, vai passar.
E eu a via virando para o lado e segurando um soluço misturado com tosse.
Eu gostava da cor vermelha, era minha preferida.
Quando eu morri, aos 8 anos, meu vestinho era vermelho, bem vermelhinho. E eu vi sim que o céu era azul. Todinho azul. Pintado com todas as lágrimas que a mamãe chorou.
-Mamãe, olhe, estou bem. O céu é azul mesmo, como falou aquela tia....Mas olhe, vou pintar um pouquinho de vermelho pra vc...
E naquele dia o dia entardeceu vermelho. De um vermelho só.
Era um céu cor de Lara que eu tinha pintado pra minha mãe.
Ela sorriu.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, adorei!... Seu site é fantástico!... A forma como escreve, com se expressa!... Estás de parabéns, viu...?! Lindo, muito lindos seus textos!... bjs

Jessia Medeiros disse...

Lindo! Qualquer coisa a mais dita estragaria a mágica do texto.