terça-feira, 15 de junho de 2010
bicicleta
seis da tarde de uma tarde de inverno. o sol já havia se posto e o que a gente via era uma mistura de um céu claro, mas ao mesmo tempo escuro. há necessidade de acender os faróis, já dizia o velho pai.
o carro ia lentamente naquele bairro que sempre foi um bairro tranquilo. uma padaria, um bar, um varejão, dois escritórios. ah sim, uma academia e uma quitanda. além da casa onde se vendia sorvete caseiro.
custava cinquenta centavos o sorvete que vinha num saquinho. a gente ficava chupando o sorvete até derreter e formar um suquinho no fundo. um suquinho gelado. era bom. tinha de vários sabores, mas o preferido da criançada era o de groselha.
pois bem, bairro tranquilo. nessa época do ano, as árvores já estavam peladas. nenhuma folha. nenhuminha. apenas os galhos balançando de um lado para o outro. as árvores estavam lá desde que nasci. eram grandes e fortes. um pouco diferente de como eu me sentia naquela dia. de como eu estava me sentindo ultimamente.
o carro vinha lentamente em direção à padaria do bairro. estacionou, desligou os faróis como o pai já havia lhe dito e olhou fixamente para o carro da frente. não percebeu que atrás, naquele começo de breu, vinha uma criança de bicicleta. sim, daquelas bicicletas antigas, caloi cross.
o menino devia ter uns 13 ou 14 anos. mas ainda era bem mirradinho, pequeno. usava um buné para trás e uma blusa preta e branca.
ao abrir a porta depois de desligado os faróis, o senhor de 50 anos atingiu o menino que vinha na sua bicicleta antiga, caloi cross. sorte que ao olhar fixamente para o carro da frente se distraiu lembrando de quando o seu pai tinha um jipe e de quando iam juntos à padaria do bairro em que moravam.
em marcha lenta, voltado da máquina do tempo, o senhor de 50 anos abriu a porta lentamente. foi a sorte. pegou o menino distraído de raspão.
o garoto vinha lentamente pela rua. como não estava claro nem escuro, não estava enchergando direito. voltava da casa da avó. morava com a avó há 1o anos desde que os pais se separaram. nunca mais viu o pai que foi morar em são paulo em busca de uma nova vida. deve ter conseguido.
pois bem, o homem de 50 anos pegou o menino de raspão. o garoto se desiquelibrou da bicicleta, mas não chegou a cair. apenas sentiu um aperto no peito e um susto. o homem de 50 anos também.
- está tudo bem? se machucou?
o menino não respondia. apenas o olhava fixamente.
- garoto, por favor, se machucou? como está? me responda.
o menino continuou sério, calado. e então que o homem de 50 anos disse:
- vamos ao hospital ver se está tudo bem.
colocaram a bicicleta no carro. o menino entrou. o carro cheirava a limpeza. o homem de 50 anos estava aposentado e sua maior satisfação era ver o carro limpinho, uma vez por semana. não tinha mais muito o que fazer. fora os afazeres de casa com a mulher com quem era casado há 30 anos. não lembrava mais do que gostava. mas sabia que gostava de ver o carro limpinho.
o menino entrou e sentou. colocou o cinco e lembrou de algo que nunca viveu.
foram ao hospital. conversaram um pouco.
- vc precisa prestar mais atenção por onde anda, garoto. aliás, como é seu nome?
- felipe - respondeu calmamente.
- felipe, olhe bastante pra andar de bicicleta por aí. o trânsito está muito louco, vc poderia ter se machucado.
o menino continuou em silêncio.
chegaram ao hospital. chapa, conversa e exame. nada tinha acontecido ao felipe. externamente no caso. porque na verdade ele estava muito excitado com a possibilidade de ter alguém cuidando dele. nunca tinha ido a um hospital.
- pronto felipe, está tudo bem. pode ir pra sua casa agora - disse o homem de 50 anos.
felipe o olhou como que pedindo algo. e então o homem disse:
- quer comer um pastel na feira? quer um sorvete?
e lá foram os dois. a bicicleta atrás do carro.
- onde mora, felipe?
- moro longe.
devorou o sorvete e o pastel. tomou a coca-cola como se alguém fosse retirar aquela bebida dele. bebeu rapidamente. tudo. tudinho. não deixou um gole.
foram ao carro, pegou a bicicleta caloi cross do banco traseiro.
- obrigado - disse felipe.
o homem de 50 anos se calou. ficou vendo felipe ir embora. calmamente em direção ao fim da rua. voltou ao carro e se lembrou que não havia avisado a esposa. que não havia comprado o pão.
voltou à padaria.
felipe andava agora procurando algum outro homem distraído que abrisse a porta do carro e o acertasse em cheio. queria ir para o hospital de novo. naquele dia, a distração é que felipe estava indo para a praça tocar gaita. havia esquecido a gaita no carro do homem de 50 anos.
na semana seguinte, ao limpar o carro, o homem encontrou a gaita. e foi até a padaria novamente. comprar pão e queijo. tinham visita em casa.
felipe recebeu uma ligação de seu pai dizendo que estava na cidade. pensou: dessa vez, acho que consigo ganhar um pastel do meu pai.
os faróis do ônibus em que seu pai chegou estavam desligados. era um fim de tarde. não estava claro e nem escuro.
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3 comentários:
http://biafigueiredojc.blogspot.com/ Lidiaa segue meu blog!?
!?!?
Lindo Lídia.Senti o aperto junto com eles!
E lí 'os espaços do silêncio' logo que você postou,não comentei(na hora tudo que eu pensava em escrever ficava clichê),mas entendi e gostei muito.Parabéns! =D
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