terça-feira, 21 de agosto de 2012

A Cozinha

A cozinha era toda moldada com azulejos. Eram azulejos marrons, de um marrom bem clarinho, quase bege, mas ainda assim marrom. Todos tinham um filetinho de marrom bem escuro, como se fosse um enfeite. Os armários também eram marrons e a geladeira, bege, cor de areia escura. A pia era de aço inox, um avanço para uma casa tão antiga. Ter uma pia de aço inox na cozinha toda marrom e antiga destoava um pouco do propósito de ser uma cozinha marrom, mas o aço refletia algumas vezes a luz que se acendia raramente, como quem diz que ainda vive, como quem se lembra que respira. O fogão, bege com tonalidades de marrom, tinha seis bocas. Um exagero, mas tinha.
No final da tarde, a mesa, que também era marrom, abrigava uma garrafa térmica de café. A garrafa era preta e estava sempre cheia de um café bem mal coado, que ficava marrom quando colocado, raramente, no copo.
Contudo, na manhã do outro dia, era necessário jogar todo o café na pia. Ninguém tinha tomado um golinho sequer do café. E o café bem mal coado, quase bege, era jogado pelo ralo. Um ralo escuro também. Quase não se via seu fundo.
A casa grande e antiga parecia estar vazia o dia todo e o final da tarde trazia o Sol que batia na janela pequenininha acima, bem acima, quase no teto, perto da pia. Junto com o Sol sempre entrava um vento que balançava lentamente a cortina de rendinha que estava mais para bege do que para branco.
Ao anoitecer daquele dia, o único barulho que se ouviu foi o som do motor da geladeira bege e antiga. E também os passos de Clarice em direção à cozinha. Ouvi-se então o barulho da gaveta de talheres abrindo, coisa rara. Os talheres tinham os cabos pretos e ficavam espalhados na gaveta. Nunca ninguém os usava. Clarice então pegou uma faca de cortar bife que tinha o cabo bem preto com pinos que a prendia. Os pinos eram prateados.
Clarice olhou a faca e viu seu reflexo, um reflexto também um tanto marrom. E então o tom marrom e bege que moldava toda a cozinha ganhou um tom de vermelho. Tons de vermelho escorriam no azulejo bege e no chão de piso marrom e bege.
E mesmo depois do vermelho pintar a cozinha, garrafa de café continuou cheia por alguns dias.

Nenhum comentário: