terça-feira, 19 de agosto de 2008

O CLÁUDIO AUGUSTO

hum, bem que ele tentou disfarçar, mas foi inevitável a sensação de liberdade. era alto, vestia uma calça jeans azul e camiseta idem. a camiseta estava por dentro da calça e ele ainda usava um cinto. os cabelos ralos e curtos denunciavam uma certa idade. e o sapato preto, fechado e laceado com dois nós, não deixavam dúvida acerca da vida metódica da qual estava tentando se livrar. os óculos acusavam um olhar distante através de um par de olhos esbugalhados e uma boca grande e seca. depois de cada dança, cláudio augusto soltava um sorriso e abria os braços esticando-se, como que querendo evitar um novo olhar. e também por pura timidez. num bate-papo descontraído por telepatia, cláudio desabafou certos dilemas de sua vida. amorosa e profissional. eu o encontrei num forró, curtindo a doce alforria de si mesmo. "pois bem, tenho trinta e dois anos e moro ainda com minha mãe. uma viúva triste e doente. ela nunca teve muita alegria de viver. eu, no entando, tinha o meu próprio mundo desde criança. vivia ali, centrado em mim e nas possibilidades que o futuro me reservava. o futuro, pra variar, não foi tão maravilhoso assim. terminei o segundo grau e fiz administração de empresas com enfoque bancário. achei que ser gerente de banco seria a maior glória possível que uma pessoa como eu pudesse ter. enfim. nunca usei barba nem cabelos compridos. tinha horário agendado no barbeiro a cada 15 dias. também não bebi muito na vida. nunca tive um porre e não usei drogas. achava aquilo um pecado mortal. sempre fui muito severo comigo mesmo, mas quando conheci Norma, me apaixonei perdidamente. nos casamos em dois anos e vivemos felizes por três. a separação foi muito dolorida, cheia de marcas e acusações. norma dizia que eu era muito metódico, que não conseguiria viajar sem planejar e que o fato de deixar meu chinelos simetricamente ao lado da cama, denunciavam uma neurose que iria esmurecer a nossa vida no futuro. eu, ao contrário, achava a norma tudo em minha vida. tinha desejo por ela e não conseguia fazer nada sem que ela estivesse presente. perder a norma foi a minha maior dor. voltei para a casa de mamãe que aos berros dizia: "eu sabia, eu sabia! essa vadia não valia nada, cláudio augusto!" foi então que resolvi fazer terapia e a minha psicóloga achou melhor eu fazer algo que me desse prazer. dançar me dava prazer, mas eu nunca ia porque a norma não gostava de dança de par, adorava uma rave. e eu não. comecei a frequentar o forró há dois meses e você não tem noção de como isso tem me ajudado. estou mais aberto, tentando interagir, buscando novas pessoas. certo que a timidez e a dificuldade continuam, mas quando consigo tirar alguém para dançar é uma festa dentro de mim. semana passada dancei com a japonesa mais linda do forró. nem acreditei. conversamos pouco, mas claro que tentei passar um pouco de mim para ela e dizer o tanto que ela estava me fazendo bem. não sei ao certo se ela entendeu, mas ao acabar a dança, eu dei um beijo em seu rosto e em sua mão, lhe agradeci a companhia e bati palmas para o trio que alegrava o salão. sim, como é bom interagir com as pessoas e ter em mente que qualquer dor passa. o forró tem me ajudado muito, muito mesmo. agora estou pensando em escrever uma carta para a seção da revista que enfoca conhecer novas pessoas. sim, devo fazer isso ainda hoje". e saiu. depois da última dança, foi até seu carro e cantarolou até chegar em casa. chega da saudade de si mesmo. cláudio augusto agora estava de volta.

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