terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sobre o nada

Abriu os olhos lentamente, como quem enxergava pela primeira vez o que estava a sua frente. Mas na verdade, não era a primeira vez que enxergava. Só que anteriormente não queria ver. Sentou na ponta da beiradinha da cama. Os pés mal tocavam o chão e o despertador não parava de tocar um minuto se quer. A janela, por mais aberta que já estivesse, lhe parecia pequena e o ar mal entrava. Respirou fundo, tirou a roupa de dormir. Sim, havia roupa para dormir, para sair, para a missa, para tudo. Tirou o pijama e novamente deitou. Ficou fitando o teto e a luz que suavemente batia no espelho no guarda-roupa. Gostava da luz da manhã e da luz do final da tarde. Para ela, pareciam luzes de cinema. Ficou olhando o teto um bom tempo, até não saber onde estava mais. Só se deu conta de voltar a realidade quando os pelinhos do braço arrepiaram de frio. E ela se encolheu, entrando novamente dentro do edredom. Como era bom sentir algo de novo, nem que fosse o frio. Abriu novamente os olhos e pensou que tinha que levantar. Colocou os chinelinhos azuis e foi até o banheiro, no final do corredor. Ligou o chuveiro e entrou. A água escorria pelo seu corpo como o tempo estava escorrendo pelas mãos. E como seus sonhos, a água ia pro fundo do ralo, sem saber onde ia dar. Não sei mais quem sou, pensou novamente. Não se reconhecia no espelho embaçado, não conseguia mais ver sua própria imagem. Sentou no chão do banheiro, do jeito que estava sentou, como quem está se jogando. E chorou. Vendo as lágrimas se misturando com a água do banho. Levantou lentamente, como estava o dia, pegou a toalha e se enxugou pela metade. Os cabelos ficaram molhados pingando na cama e no chinelinho azul. O despertador ainda tocava desesperadamente anunciando a hora de levantar. Ou de começar a viver no caso.

diálogos da Geisy

e ela só queria estudar....
- O meu sonho é fazer isso que estou fazendo, ficando famosa e aproveitando meus minutos de fama.
- mas geisy, vc não vai mostrar a lipo que fez?
- não, só no carnaval.
- mas geisy, geisy....
e ela sai. no começo de novembro.
- os caras te agarraram na universidade?
- sim, e eu só queria estudar. - se só queria estudar, pq foi com aquele vestido?
- pq ia numa festa depois.
- mas com a roupa curta na faculdade fica difícil de segurar né?
- mas eu só queria estudar. só isso.
- vai posar nua, geysi?
- não sei, depende.
- do quê?
- do quanto me oferecerem.
- vai processar a Unibam?
- vou, não deram segurança pra eu estudar.
- e o vestido?
- está guardado, uma relíquia, salvou minha vida. agora serei uma artista.
- vai voltar a estudar?
- verei isso só no futuro....
- mas não era isso que vc mais queria, estudar?
- a vida muda né, darling?

sábado, 12 de dezembro de 2009

Alguns diálogos (im) pertinentes

- bom dia, vamos conversar. - pois não, dona janete. algum problema? - eu vou te despedir. investi dinheiro em você, mostrei o que você deveria ter feito e você não aprendeu. - mas eu tentei! - sim, mas não aprendeu. você não tem capacidade para aprender. eu gastei dinheiro com você. - mas dona janete... - é verdade, eu investi, deixei você trabalhar aqui de graça para aprender e você não aprendeu. você não tem capacidade para aprender. - mas eu tentei, eu fiz o que eu podia fazer de melhor, dona janete. - não interessa, você não aprendeu, você não tem capacidade. - então vamos acertar minhas contas, 400 reais. - 400 reais? você está louca? eu não vou te pagar tudo isso. eu investi em você e você não aprendeu. você não tem capacidade. vou te dar 200 reais e é muito. - mais eu trabalhei o mês todo, dona janete. - mas não aprendeu, você não tem capacidade de aprender. não vou te pagar o salário todo, já deixei você trabalhar aqui. você não aprende nada. - mas dona janete....
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- oi, bom dia! - bom dia. - ontem foi o dia do palhaço né? fizeram uma matéria comigo, eu vim buscar o jornal. - palhaço? que palhaço? está doido? - ontem foi o dia do palhaço e saiu um material sobre mim, sou palhaço há 20 anos aqui na cidade, queria guardar um exemplar. - 1,50. - mas é só um exemplar que eu queria... - 1,50. - eu não tenho dinheiro agora. - então não tem jornal. - mas será que eu não consigo unzinho só? - 1,50. - eu tenho dois reais aqui. - vou pegar o troco. - não tem como me ceder mais um? - mais 1,50. - mas senhora (a mesma dona janete), eu não tenho esse dinheiro. - então não tem jornal. nós não podemos ficar dando jornal assim, pra qualquer um. - mas eu não sou qualquer um, eu sou o palhaço que saiu no jornal! - 1,50.
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é nessas horas que eu me questiono quanto vale a vida, qual o valor que se dá ao ser humano que está ao nosso lado. ou distante de nós. não é direito alguém humilhar o outro assim. não é. eu sei pq tive professores na faculdade que também me humilhavam ao lerem meu texto quando eu estava aprendendo. isso não é direito. as pessoas estão aprendendo. e a dona janete realmente existe, claro que com outro nome. ela é real. humilhou um amigo meu esses dias. e cobrou do palhaço 1,50. e despediu a moça repetindo várias vezes que ela não tem capacidade de aprender. a palhaçada é outra aqui. é a falta de humanidade, de olhar e respeitar o outro, ter carinho e atenção. o mundo não vai acabar por causa das catástrofes naturais, o mundo vai acabar porque falta humanidade, falta respeito. não vou falar que falta amor porque isso, aos olhos de muitos, soaria piegas. mas falta também. amor ao próximo. não nos quesitos "os ensinamentos de jesus". não. não entro em mérito de religião. cada um tem a sua. mas a verdade é que gentileza é algo único, real e verdadeiro. e mais do que a arte, só o respeito, só enxergar o outro vai fazer desse mundo um mundo melhor. fiquei envergonhada pela situação a qual o palhaço foi submetido. demorei pra engolir. mas ainda não achei normal, nem natural. é social, é construído no dia a dia. no jeito como o pai trata a mãe na frente do filho ou vice-versa. ou como o pai ensina o filho a ser "comedor" ou a mãe ensina a filha a ser "submissa". nada disso pode ser real. nada. é sobrenatural, e é isso que me assusta. não precisamos ter medo de chuva, de raios de nada. medo pra mim é dos homens e das atitudes desumanas que não se fazem nem com um cachorro. e por falar nisso, a dona janete tem um cachorro que ela trata como filho e diz: "vem com a mamãe". isso me lembrou em muito a cena do auto da compadecida, "pra cadela, bife na manteiga, pra gente, trabalho". porém, desculpem-me cadelas, ela não sabe o que diz. eu tb ficaria puta da vida se uma pessoa desse nível chamasse um filhote meu de filho. podem latir, porque talvez ela entenda essa língua. de seres humanos, dona janete não entende.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Bortolotto

Caraca, viu? O Mário foi atingido. Eu não o conheci, mas coloquei um material esses tempos no jornal sobre o livro "Nossa vida não vale um chevrolet". E conheci um pouco mais dele. já tinha ido ao "cemitério de automóveis" em londrina e conhecia um pouco dele de lá tb. um dos fundadores.
eu sempre vou à praça roosevelt qto estou em sampa e o cara foi baleado lá, no parlapatões, lugar onde sempre que posso, estou tb.
eu não sei, mas acredito que o mundo esteja um tanto perdido, como já afirmava o nosso querido vô orlando do mundo da lua.
encontrei o mário na livraria HQmix uma das vezes que fui lá, mas não nos falamos. acho que fiquei de longe, só admirando. um grande escritor, uma grande pessoa. ele está internado em estado grave. não dá pra acreditar.
mas vai se recuperar, com certeza. ele ainda tem mto pra falar pra nós.
ps: é vdd, André. o blog dele: http://atirenodramaturgo.zip.net/ (como é que pode um nome desses e essa tragédia?) pois bem, um pedaço do blog dele que nos serve de consolo. e principalmente de esperança.
"Eu voltei pro bar hoje. Eu sempre volto pro bar. Os amigos não acreditam quando me vêem entrando pela porta, de novo. [...] Quando ninguém mais acreditava que eu pudesse voltar. Eu tinha tudo pra não voltar, né? Mas eu sempre volto"
tomara que volte. mesmo. hj vai ter um ato na praça:
O grupo de teatro Parlapatões organiza um ato na noite deste domingo pela recuperação do dramaturgo Mário Bortolotto, que foi baleado durante um assalto na madrugada de sábado (5) na praça Roosevelt, no centro de São Paulo. Amigos, artistas, público, frequentadores da praça, vizinhos e jornalistas devem comparecer ao Espaço Parlapatões às 21h de hoje. Segundo nota publicada no blog do grupo, "o teatro não vai se intimidar com a violência, muito menos se submeter aos bandidos, aos que querem a escuridão nas ruas, aos querem que o povo fique em casa, acuado". "Mário Bortolotto é um símbolo de nossa Praça Roosevelt. Seu estado de saúde é grave, mas está resistindo e viverá". O grupo não vai apresentar a peça O Papa e a Bruxa, na noite de hoje, para que todo o elenco, artistas, produtores, técnicos e funcionários do teatro possam participar do ato. "Vamos ler trechos de suas peças, seus poemas e vamos mostrar que o nosso palco não está a serviço das tragédias reais, mas que faz dramas, comédias e tragédias para dar fôlego à sociedade para enfrentar suas mazelas. Compareça! O Teatro resistirá mais uma vez. Bortolotto viverá e escreverá muito mais de nossa história! A praça é do povo, da cultura, da comunhão, da arte e da paz!" "Nosso amigo Carcarah, também atingido, passa bem e está conosco em pensamento pela recuperação do Bortolotto", diz o comunicado. O dramaturgo permanece internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital Santa Casa de Misericórdia na tarde deste domingo. O hospital afirmou que o estado de saúde dele é grave, porém estável. Segundo a assessoria de imprensa do hospital, não há previsão de alta da UTI. Bortolotto foi levado para o hospital na madrugada de sábado (5) após ser baleado com quatro tiros durante um assalto no bar dos Parlapatões da praça Roosevelt, no centro de São Paulo.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Conflito dos Sem Terra

bom, eu trabalho no Jornal da Manhã aqui em Marília e tenho amigos talentosíssimos aqui. Muita gente boa trabalhando junto, tinha tudo pra ser o melhor Jornal. Mas enfim, não é disso que quero falar. Todos aqui têm seu talento, mas tem um amigo que tem um olhar um tanto qto apurado. Aliás, tanto o Eddio quanto o Alexandre são dois super repórteres fotográficos. E quero, mesmo, dar uma força para os dois. Mas agora vou falar um pouco do Alexandre Lourenção por um trabalho dele que esteve em exposição aqui em Marília e poucos souberam. O conflito dos Sem Terra em 1993 que aconteceu em Getulina, cidade próxima. Na visão de Alexandre:
Conflito entre “Sem Terra” e Polícia Militar
Em 1993, o Movimento dos Sem-Terra (MST) se organizava para ocupar mais um latifúndio no Estado de São Paulo, quando na madrugada de 9 de outubro, quase 3 mil famílias ocuparam uma área de 5.400 hectares da fazenda Jangada na cidade de Getulina, no interior de SP. Depois de várias e frustradas tentativas de negociação com os governos estadual e federal, o desgaste das famílias era intenso e o clima ficava cada dia mais tenso. Após 40 dias de ocupação do MST, uma ação policial de retomada de posse da fazenda foi autorizada pelo governo paulista e um confronto violento de proporções nunca vistas foi inevitável. Mais de 8 mil homens do batalhão da Polícia Militar de São Paulo estavam presentes e fortemente armados, além do canil, cavalaria e um helicóptero da capital paulista.
No início do conflito, os Sem Terra, não se intimidaram com a força policial e se uniram formando uma gigantesca corrente humana, todos de mãos dadas e gritando em defesa da ocupação. A situação ficou desesperadora no momento em que a tropa de choque ficou diante das famílias. Várias bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas nos invasores e muitos disparos de arma eram ouvidos em meio de tanta fumaça. “Era uma situação de guerra” conta eu pensei, porque fazia a cobertura pelo Jornal Diário de Marília, naquele ano. "Foi a maior experiência que tive como jornalista nos 20 anos da profissão". “Ver aquelas famílias (muitas com crianças) se arriscando em confrontar com uma força militar e todo aquele aparato policial, foi preocupante. Eu lembro que, quando a tropa de choque foi em direção as famílias, os policias batiam com os cassetetes nos escudos numa grande marcha psicológica arrasadora. No momento do conflito, o barulho das explosões somados aos tiros das armas de fogo era assustador, principalmente porque se ouviam muitos gritos e choros. Eu pensei que haveriam várias mortes naquele dia”, comenta o jornalista. Depois de algumas horas de intenso terror, os invasores perceberam que não tinham chances de continuar a batalha com a polícia e todos acabaram se rendendo e desistindo da ocupação. Não houve nenhuma morte registrada no conflito mas centenas de pessoas ficaram feridas. A ocupação da fazenda Jangada em Getulina virou um marco na luta pela terra em São Paulo, pois a sua repercussão possibilitou o acesso do MST a outras cidades do estado paulista e de todo o país. O movimento continuou formando militantes Brasil a fora e ampliou o leque de alianças, mostrando seu potencial de mobilização e a necessidade da Reforma Agrária.
sobre Alexandre Lourenção
Alexandre Lourenção, jornalista e repórter-fotográfico do Jornal da Manhã de Marília (1989-1991 e de 1998 até hoje). Atuo na profissão há 20 anos, com trabalhos feitos no Jornal Diário de Marília (91-96) e também algumas passagens em Bauru e Garça. Fiz alguns cursos de língua estrangeira (inglês, espanhol e um pouco de alemão). Minha paixão é o fotojornalismo. Nele, o fotógrafo aprende a ter muitas habilidades, como o domínio da metragem da câmera, a atualização e a prática das tecnologias, forte percepção dos acontecimentos (de prever alguns fatos), estar bem informado com o noticiário, sensibilidade, coragem e é claro, sorte. Tudo isso forma um bom profissional. E o dia-a-dia ensina muito. Como o repórter não sabe o que vai acontecer, ele tem que estar preparado para as mais diversas situações, como a do conflito em Getulina no ano de 1993 entre a Polícia Militar e os integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST)
bacana né? o Alê realmente é um talento.