segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A visita surpresa

Campainha/interfone.
- Pois não?
- É da casa do senhor Alberto?
- Sim. Quem gostaria?
- É um amigo dele.
- Um minuto por favor.
Alberto foi até a porta e avistou a pessoa. Chegou no portão e tão pouco reconheceu.
- Pois não?
- Alberto, eu vim te buscar.
- Sei. Para onde?
- Como assim para onde? Não está me reconhecendo?
- Não, assim de cara não.
- Não está vendo esse cajado e essa roupa escura?
- Sim, mas até aí tudo bem. Cada um se veste do jeito que quiser. Está fazendo cosplay de quem?
- Ai ai ai, senhor, dai-me paciência. Sou a morte. Agora vamos, abra esse portão e vamos embora.
- Sei. A morte? Sei. Olha, se isso é um tipo de brincadeira, está meio chato. E eu estou muito sem tempo.
- Alberto, escute. Vou falar pela última vez. Vamos embora homem! tem mais um monte de gente pra eu buscar.
- E se eu não abrir o portão? Vai atirar em mim?
- Puta que pariu, cada uma...Claro que não. Você já vai morrer de qualquer jeito, porque eu atiraria?
- Bom, então está bem, agora deixe eu entrar porque ainda tenho muita coisa por fazer.
- Alberto, façamos o seguinte então. Você não acredita que sou a morte e nem nada disso e eu estou ficando de saco cheio. Então, abra esse portão que explico tudo certinho para você. Estou sendo pago para isso mesmo...
- Arrá! E quem está te pagando? aposto que é o Moreira, aquele velho sem vergonha. Ele sempre faz isso no trabalho e adora aprontar. Vamos, me diga, quanto ele está te pagando?
- Moreira, que Moreira homem? Ah tá, o Moreira, o calvo. Sim, a hora dele ainda não chegou e não é ele quem está me pagando. E também não recebo em Euro, então vamos logo com isso, abra esse portão que eu entro e te explico. Se precisar, eu desenho pra vc. Sou ótimo nisso. Fiz um curso com o Henfil e com o Glauco. Precisa ver meu Geraldão. Enfim, abra esse portão.
- Entendi. Eu abro o portão, você me explica e me mata.
- É tipo isso, mas não é isso em si.
- E como é lá do outro lado?
- Que outro lado?
- Ué, depois da morte?
- Depois de mim? E como é que eu vou saber? Eu deixo vocês no portão, não sou eu que resolvo isso.
- Então você não sabe, é isso?
- Tá tá, eu sei. Mas não estou afim de explicar tudo agora. Abra logo esse portão e me deixe entrar que estou morrendo de sede.
- A morte morrendo de sede?
- ô Albertô, tá vendo o calor que tá fazendo, é de matar! e tá vendo essa roupa que estou usando? você acha que é fácil? Meu, estou colando aqui em baixo, derretendo. Minhas bolas estão grudando. Abre logo essa porra deste portão!
- E o que eu ganho em troca?
- Troca, troca! Esses seres humanos são de matar mesmo! Tudo vocês querem uma contrapartida! Ótimo! e eu estou de super bom humor e te digo: se me deixar entrar, fica mais uns minutos nesse mundo infernal. Está bem?
- Como assim, dona morte?
- Dona morte? Dona morte? Não está ouvindo a minha voz não? Seu Morte, caralho! Tenho voz grossa!
- É que a morte aqui é feminina.
- E eu não sei? Quando eu vim buscar aquele puto do Aurélio discuti horrores com ele...eu mereço mesmo! ter nome feminino! Mas vamos logo, abra esse portão e conversamos.
- Só depois de uma partida de xadrez.
- Jesus amado, Bergman agora? não! Sabe o quanto eu ouço disso por causa daquela cena que esse puto sueco do caralho fez no cinema? Ouço isso o tempo todo! E o pior, me diga: pelo menos vc viu o filme? Hã?
- Não, pior que não. Nem sei que é Bergman.
- Está vendo? as pessoas falam sem saber...Arf, isso me deixa pra morrer, quer dizer, pra matar alguém. Façamos então assim, ó, tá vendo, estou deixando o cajado no chão. Tudo bem, devagar, vai abrindo o portão....
- Você ainda não me convenceu que é morte.
- Olha, de verdade, você está me deixando puto. Tem um advogado que defendeu os interesses do Roberto Jefferson que está saindo de um fórum agora e eu preciso pegar ele, senão o safado fica até o fim da vida. Tipo o Maluf, aquele puto. Aquele filho da mãe já escapou tanto da morte...td por causa de uns caras assim que nem vc, que ficam me segurando. Então, se você colaborar, até deixo você ir junto pra ver como se faz a morte com os canalhas, agora abre essa porra.
- Estranho, muito estranho...
- Estranho o quê?
- Que você sendo a morte, ainda não me matou, só estou do outro lado do portão. Porque não me mata?
- Porque não é para ser assim. Você tem que abrir o portão.
- E porque não fez uma pegadinha?
- Está louco? Dar uma de Fausto Silva agora? João Kleber? Aliás, viu esse cara na Fazenda? Tá somando pontos pra ir logo....enfim. Abra essa merda.
- Olha, entendi, mas ainda não confio em você. Ao invés de abrir o portão apertando o botão lá dentro vou pegar a chave e ir até aí.
- Faça como quiser, como preferir.
Alberto pegou a chave e desceu os degraus até o portão, mas por um descuido, no penúltimo degrau tropeçou e caiu de cabeça na quina do muro. Morreu em segundos.
- Aí, tá vendo? Para que essa demora toda? Da próxima vez, vou pedir pra vir cupido nessa vida, ser morte é de matar- disse Seu Morte para o cadáver de Alberto, estatelado no chão.

2 comentários:

Baú da Dadá disse...

Lidinha!
Adorei!
Saudades de vcs beijos

Palazo disse...

Pq sempre q a Morte é masculina ela ganha conotação engraçada? E quando é feminina é meio sanguinária? Ou será apenas loucura minha?

Vontade de fazer uma coletanea de histórias mortíferas, rss

Ah, adorei o conto...