domingo, 26 de dezembro de 2010

As formigas

enquanto estava eu lá, sentada falando e falando e falando, tentei dar conta de algumas coisas que ainda estariam latentes e outras tão afundadas, cobertas com uma camada grossa de poeira, de sujeira que muitas vezes fui eu mesma quem sujou. nisso, nesse meio tempo foi chegando o natal e natal para mim sempre é uma época um tanto quanto difícil internamente. o natal chega e com ele chegam todas aquelas pessoas que de longe, de muito longe você não via mais. e chega junto um monte de comida, de fala e de caprichos sem limite que me deixam no meu limite de tolerância. amor, paz, e etc. porra papai noel! e então chegou a chuva, o vento e a neblina. e todas as histórias do mundo. "eu trabalhava em um cinema quando era criança. era legal porque era a única maneira que eu tinha de assistir filmes. dinheiro não havia. nada. nem um pouquinho. mas qdo chegava em casa tinha sopa de pé de frango. e já era muito. mas o cinema me deixava feliz. e eu ia de um cinema para o outro com um rolo de filmes 16mm porque senão não dava tempo das pessoas assistirem o outro filme. e eu ia. com meus 8 anos e uma curiosidade incrível. e era legal porque eu sentia que estava fazendo algo muito interessante para um garoto de 8 anos muito pobre. e eu ao voltar para casa passava em frente à venda. meu pai tinha uma venda. uma vendinha. mas não era lá que tinha os doces mais gostosos da vila. eu gostava do doce de suspiro rosa. hummm. me dá até água na boca. mas não tinha dinheiro pra comprar. e então eu voltava pra casa tomava a sopa e ia dormir. com fome. mas ia. e quando chovia, sabe? igual chove nessa época de natal o meu barato era ficar olhando embaixo da cama e vendo a água passar pelo chão de terra. aquele chão de terra batido, bem batido. e era um barato porque eu não sabia ao certo o que estava acontecendo. mas era bom". e então eu vi que a mesa estava farta, cheia de comida. sempre sobra. e eu olhei para o lado e vi que estava falando, falando sem parar e as formigas passavam apenas, de um lado para o outro como quem não quer nada. resolvi ficar em silêncio e me concentrar nelas. elas apenas viviam. apenas isso. não tinha um sufoco de pensar algo além. estavam elas vivendo. e eu vi que estava ouvindo a história com quem está guardando aquele grande pedaço de migalha de pão no formigueiro. que vai me alimentar por anos a fio. eu não sabia ao certo o que estava sentindo naquela noite. mas era bom. obrigada, pai. feliz natal.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

sussurro

vai passar, isso vai passar.... quando eu era criança, só de ouvir a voz da minha mãe, qualquer dor que eu tinha, fosse emocional ou de criança levada, passava. era como se fosse um remédio. daqueles que curam até a alma. minha mãe gostava de fazer bolo, de brincar de esconder, de cantar e de dar risada. era sempre bom. mas tinha uma coisa que ela gostava sempre, que era de enfeitar a gente. e ela enfeitava, enfeitava e deixava todos os filhos assim, bem bonitos. mas teve um dia, que não me lembro bem, quer dizer, me lembro de pouca coisa, que vi minha mãe deitada. ela estava deitada na sala. bonita, arrumada. dormia um sono tranquilo. tinha levantado mais cedo para fazer um bolo e depois só a vi deitada na sala. minha avó e meu pai também estavam na sala e choravam porque ela estava deitada. mas para mim ela estava dormindo. e eu a achava bonita com aqueles cabelos pretos e aquela pele branca deitada, leve. e eu não entendi muito bem até hoje, mas acho que ela ainda está dormindo. porque nunca mais ela me enfeitou e nunca mais teve bolo. ainda hoje eu tento me enfeitar. mas enfeitar a alma dói, sabe? dói muito. eu não a vi mais. mas toda vez que me enfeito, toda vez que eu sorrio e toda vez que eu canto eu lembro dela. e isso me faz ficar melhor. e eu falo sempre baixinho para mim mesma até o dia que eu vir minha mãe acordada de novo.: "vai passar, isso vai passar..."

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A vida segundo C. L.

“Eu disse a uma amiga: — A vida sempre superexigiu de mim. Ela disse: — Mas lembre-se de que você também superexige da vida. Sim.” E como ser diferente? mergulhar em si mesmo talvez seja o mais profundo e absissal sofrimento. E também o mais divino perdão. Perdoar não no sentido cristão, mas no sentido de sentir a si mesmo como um ser humano, alguém capaz de erros tão incomuns quanto uma chuva de sapos. Ao não exigir muito da vida não deixamos de nos levar a sério. Não. Apenas nos deixamos sentir o que a vida nos apresenta. E isso é raro. É o mais raro. A paixão é uma dor tão forte, mas tão forte que parece que vai nos sufocar na falta do outro. E o outro muitas vezes somos nós mesmo. Entender não é o mais importante. E aprender isso com 30 anos é o maior presente que se pode ter. Superexigir-se menos. Da vida, do outro, de si. C.L.